skip to Main Content

Há um tema latente de Direito Imobiliário afeto à alienação fiduciária em garantia de imóvel que se encontra em divergência no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de definir o que é valor remanescente ou valor que sobejar a ser restituído pelo credor ao devedor após a realização dos dois leilões extrajudiciais.

A alienação fiduciária de imóveis foi instituída pela Lei 9.514/1997, sendo considerada como o direito real de garantia nas operações de financiamento em geral, pelo qual o devedor, para fins de garantia própria ou de terceiro, transfere a propriedade resolúvel do bem ao credor, podendo ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, não sendo privativa de instituição financeira.

De acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, os financiamentos com tal garantia alcançaram em 2024 valores de mais de R$ 312 bilhões, o que revela a robustez econômica e a importância social da aquisição da moradia ou casa própria.

Vencida e não paga a dívida, o devedor deverá ser constituído em mora pelo credor por meio de notificação extrajudicial enviada pessoalmente ao seu endereço. Após a notificação e não tendo havido a purgação da mora, o que enseja a consolidação da propriedade, o credor deverá promover o leilão para a alienação do bem imóvel, sendo que, no primeiro leilão, o lance a ser oferecido deve ser o valor da avaliação do imóvel definido em contrato, e, caso não obtido tal lance, no segundo leilão, deve ser aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária.

Se, no segundo leilão, não houver lance que atenda ao referencial mínimo para a respectiva arrematação (valor da dívida), o credor ficará investido na livre disponibilidade do imóvel e exonerado da obrigação de devolver qualquer valor ao devedor, de acordo com a literalidade do artigo 27, §5º, da Lei 9.514/1997.

Controvérsia

Há, ainda, a regra de que, nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, nela compreendido o valor da indenização das benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida, o que importará em recíproca quitação.

A controvérsia jurídica atual refere-se à tese de eventual sobejo, a saber: quando os dois leilões extrajudiciais são negativos e o imóvel acaba adjudicado pelo credor, se este deveria pagar ao devedor a diferença entre o valor da avaliação do bem e o saldo devedor do contrato, sob a justificativa de se evitar o enriquecimento sem causa.

De um lado, já se decidiu que, na execução hipotecária, em caso de leilão infrutífero e posterior adjudicação do bem pela instituição financeira e o valor da avaliação do imóvel superou o montante do saldo devedor remanescente, é devido à instituição financeira adjudicante a restituição ao mutuário da diferença, sob pena de enriquecimento sem causa do agente financeiro (AgInt no AREsp 2.039.395, relator ministro Raul Araújo).

No mesmo sentido, não havendo purgação da mora em contrato de financiamento imobiliário garantido por alienação fiduciária, e frustrados os leilões com a consequente adjudicação do imóvel pela parte credora, é devida a condenação da parte credora ao pagamento da diferença entre o valor do imóvel e o valor do crédito atualizado, com fundamento na vedação do enriquecimento sem causa (AREsp 2.824.108, relatora ministra Nancy Andrighi).

De outro lado, já se decidiu que, frustrado o segundo leilão, a dívida é compulsoriamente extinta, exonerando as partes de suas obrigações, e o credor fiduciário não é obrigado a devolver qualquer diferença ao devedor (REsp 1.999.675, relator ministro João Otávio de Noronha).

De acordo com o brocardo “in claris cessat interpretatio” (quando a lei está clara, cessa interpretação) e com a finalidade jurídico-econômica da garantia real que responde pela dívida, tem-se que, frustrados os dois leilões extrajudiciais, há a dívida é tida pela literalidade da lei como extinta, não havendo obrigação de restituição de valores ao devedor pelo credor.

Fonte: Conjur

Back To Top