Luana Teixeira de Souza, vice-presidente jovem da Comissão de Direito das Famílias da OAB/GO, explica como o testamento garante que desejos e valores paternos sejam respeitados
O Dia dos Pais é uma data que convida à reflexão sobre o papel e o legado paterno, indo além das homenagens e presentes. É também uma oportunidade para discutir a importância do planejamento sucessório e de instrumentos jurídicos que assegurem que os desejos de um pai sejam respeitados, mesmo após sua partida. Entre esses instrumentos, o testamento se destaca por trazer clareza, segurança e harmonia à família, evitando disputas e protegendo o patrimônio construído ao longo da vida.
Para compreender melhor sua relevância no contexto familiar, o CNB/GO conversou com Luana N. Teixeira de Souza, vice-presidente jovem da Comissão de Direito das Famílias da OAB/GO e coordenadora da Subcomissão de Planejamento Matrimonial. A especialista explica que o testamento não se limita à partilha de bens, podendo incluir também disposições de caráter pessoal e moral, reforçando vínculos e garantindo proteção aos membros da família.
Confira a entrevista na íntegra:
CNB/GO: O que é o testamento do ponto de vista jurídico?
Luana Teixeira: O Testamento é um ato jurídico solene (exige formalidades) e unilateral (depende, exclusivamente, da vontade do testador), pelo qual uma pessoa dispõe a cerca da destinação do seu patriminio, após a sua morte, bem como, disposições de caráter não patrimonial. Regulado pelos artigos 1.857 a 1.990 do Código Civil, é um instrumento particular de ultima vontade, que só produzirá efeitos após o falecimento do testador.
CNB/GO: Por que o testamento é uma ferramenta importante para garantir os desejos de um pai sobre seu patrimônio e sua família?
Luana Teixeira: O Testamento permitirá que o Pai organize a sucessão de seus bens, e ou vontades não patrimoniais, de forma clara, garantindo que os seus desejos e anseios serão respeitados e não estarão à mercê da disputa entre os herdeiros e os interesses particulares deste. Entre as inumeras possibilidades, o testamento permite que o Pai, por exemplo, beneficie seus filhos de forma equilibrada, proteja um herdeiro portador de necessidades especiais, ou destine parte do patrimônio a causas e pessoas importantes para ele.
CNB/GO: Quais são os tipos de testamento previstos na legislação brasileira e em que casos cada um é mais indicado?
Luana Teixeira: Dispõe o art. 1.862 do Código Civil, que são os testamentos ordinários:
Testamento Público – é lavrado em cartório, com registro formal, necessitando de 2 testemunhas, para ciência do texto, que será lido pelo Tabelião, e é o mais indicado, por ser o mais seguro, evitando quaisquer nulidades.
Testamento Cerrado – deve ser escrito pelo próprio testador ou outra pessoa a sua escolha, devendo ser assinado por ele, e entregue lacrado ao Tabelião, para aprovação, perante 2 testemunhas, porém sem que leia ou se tenha ciência do seu conteúdo. Esta modalidade é indicada para quem deseja manter sigilo das disposições ali contidas.
Testamento Particular – é redigido e assinado pelo próprio testador e lido na presença de no mínimo 3 testemunhas, não sendo necessário levar para aprovação ao Tabelião. Este só será publicado, após o falecimento do testador, e em juízo. Apesar de ser a modalidade, com procedimentos mais simples, possui maior risco de questionamento e invalidação.
Além desses, o art. 1.888 do mesmo diploma civil, prevê a possibilidade de testamento especiais, como o Testamento Marítimo e o Testamento Aeronáutico (podendo ser testador destes, apenas aos tripulantes ou passageiros de aeronaves ou navios militares, só sendo valido, se o testador falecer ao longo da viagem, ou até 90 dias após o desembarque); e o Testamento Militar (podendo ser testador deste, apenas militares e demais pessoas a serviço das forças Armadas, só sendo valido, se após dele, o testador não permanecer por mais de 90 dias seguidos, em lugar que possa testar nas modalidades ordinárias).
CNB/GO: Há exigências ou limites legais para o que pode ser disposto em um testamento?
Luana Teixeira: Sim, a principal é a impossibilidade de dispor além da legitima, que corresponde a 50% do patrimônio do testador, pois deve ser destinada, obrigatoriamente, aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro). Frisa-se, que o testamento não poderá conter disposições que firam à lei ou a moral.
CNB/GO: É possível incluir disposições que vão além da partilha de bens, como mensagens ou recomendações sobre o futuro da família?
Luana Teixeira: Sim, é plenamente possível dispor sobre questões não patrimoniais. A exemplo, é possível em um testamento: reconhecer filhos; indicar tutores para os filhos menores e/ou incapazes; mensagens pessoais com recomendações de cuidados com membros da família, e demais disposições com valor simbólico e moral ao testador.
CNB/GO: Como o testamento ajuda a evitar disputas e desentendimentos familiares após o falecimento?
Luana Teixeira: O testamento reduzirá as possibilidades de interpretações carregadas de individualismo dos herdeiros, bem como, disputas patrimoniais, pois estabelece com clareza a vontade do testador. Como a destinação patrimonial, ou não, estará definida, não existiram conflitos emocionais e judiciais, preservando o relacionamento familiar em um momento de luto.
CNB/GO: Quais são os conflitos mais comuns que surgem quando não existe um testamento?
Luana Teixeira: Após o falecimento de um ente, os familiares se preocupam, com a destinação do patrimônio e como se dará a administração deste, até a efetiva partilha entre os herdeiros (a divisão de bens). Assim, permitem que reverbere os interesses individuais, dos quais se sentem lesados, por qualquer ato que não seja o que esperam ou desejam. Por este motivo, em decorrência da demora do processamento, seja o inventario judicial ou extrajudicial, intensificam as animosidades e a disputa para obter a posse e propriedade dos bens, já que dependem de outros fatores, alheios a real vontade do de cujus (pessoa falecida), supondo cada interessado, como deveria ser.
CNB/GO: Qual é o procedimento para elaborar um testamento válido e seguro?
Luana Teixeira: O caminho mais indicado e seguro é: primeiramente procurar um advogado especializado, para que este oriente e acompanhe todos os procedimentos necessários até a lavratura do ato; e em seguida, seja lavrado o testamento em cartório, na modalidade de Testamento Público.
CNB/GO: É necessário registrar o testamento em cartório de notas?
Luana Teixeira: Só será necessário nos casos de Testamento Público e Cerrado, que tem a lavratura por Tabelião, ato indispensável a validade do testamento. No caso de Testamento Particular, também poderá o testador optar por arquiva-lo no cartório, garantindo maior segurança.
CNB/GO: Após elaborado, é possível alterar ou revogar o testamento?
Luana Teixeira: Sim, o testamento pode ser revogado ou alterado a qualquer momento, pelo testador, enquanto este estiver vivo e em plena capacidade, porquanto seu objetivo é que prevaleça a vontade deste, independente de alterações de disposições patrimoniais ou não patrimoniais.
CNB/GO: Que cuidados um pai deve ter antes de fazer seu testamento para que ele reflita seus desejos reais?
Luana Teixeira: O Pai deve avaliar cuidadosamente o patrimônio, conhecer os direitos dos herdeiros, refletir sobre as necessidades e circunstâncias de cada membro da família, qual de fato é o seu desejo e buscar orientação jurídica. É importante evitar decisões precipitadas ou baseadas em conflitos momentâneos.
CNB/GO: Em que momento da vida é recomendável pensar em elaborar um testamento?
Luana Teixeira: Em qualquer momento, principalmente, se já possuir um patrimônio considerável. Isso porque, devemos lembrar da nossa finitude, sendo a morte a nossa única certeza, e que o testamento possibilitará ao testador, que sua vontade seja cumprida, mesmo após a morte.
CNB/GO: Qual o papel do advogado e do tabelião nesse processo?
Luana Teixeira: O papel do advogado é orientar e dar segurança jurídica ao seu cliente, no caso, o testador, para que seus desejos sejam validados, sem ferir direitos e deveres dos demais. O tabelião, concretizará o ato, tornando-o exigível e valido, com a lavratura do testamento.
CNB/GO: Qual recado a senhora deixaria para os pais sobre a importância de planejar juridicamente a sucessão, pensando no bem-estar da família?
Luana Teixeira: A família, sem dúvidas, é o bem mais precioso que temos e o desejo dos patriarcas e/ou matriarcas, é que mesmo após o seu falecimento, a união e o amor prevaleçam. Assim, para que se evitem conflitos e disputas de interesses individuais, e que seja valorizado, tudo aquilo que se construiu, faz-se necessário o Planejamento Sucessório, através do Testamento, por exemplo, valendo como um verdadeiro manual de continuidade do legado daqueles que já se foram. Frisa-se, que tais orientações, servirão como um norte e a darão segurança jurídica, para aqueles que no momento de luto, deixam se levar pelos sentimentos conflituosos, colocando em risco tudo o que foi construído.
Por Camila Braunas. Assessora de Comunicação do CNB/GO.