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Em entrevista ao CNB/GO, Tatiany Borges da Mata, presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, destacou a importância da atuação extrajudicial na formalização de propriedades rurais e os benefícios para pequenos produtores

A regularização fundiária de imóveis rurais é um tema de grande relevância no Brasil, especialmente para pequenos produtores que enfrentam desafios significativos para formalizar a posse de suas terras. Nesse contexto, os cartórios desempenham um papel essencial, não apenas como órgãos de registro, mas como agentes ativos na promoção da segurança jurídica e no desenvolvimento do meio rural. A atuação dos cartórios na regularização fundiária contribui para a formalização da propriedade, facilitando o acesso ao crédito e a programas de fomento governamentais, além de promover a paz no campo ao reduzir conflitos fundiários.​

O CNB/GO conversou com Tatiany Borges da Mata, Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, que abordou diversos aspectos da regularização fundiária, destacando o papel dos cartórios, os procedimentos de usucapião extrajudicial e a retificação de matrícula de imóveis rurais. Tatiany compartilha sua experiência e conhecimento sobre os desafios enfrentados pelos pequenos produtores, os benefícios da regularização e as etapas necessárias para alcançar a formalização da propriedade rural.​

Além disso, a entrevista explora casos de sucesso em que a regularização extrajudicial foi decisiva para a valorização e desenvolvimento de propriedades rurais, evidenciando como a atuação conjunta de notários, registradores de imóveis e advogados especializados pode tornar o processo mais eficiente. A conversa também destaca a importância da atuação dos cartórios como garantidores da legalidade e da segurança dos atos praticados, reforçando seu papel fundamental na estrutura fundiária do país.

Confira a entrevista na íntegra:

CNB/GO: Qual é o papel dos cartórios na regularização fundiária de imóveis rurais?

Os cartórios desempenham fundamental papel na regularização de imóveis rurais, tendo em vista que o procedimento de regularização além de legalizar esses imóveis, traz titulação de propriedade aos seus ocupantes, ocasionando uma maior segurança jurídica territorial e direito à moradia.

CNB/GO: Por que a regularização de propriedades rurais é fundamental para a segurança jurídica no campo?

A regularização das propriedades rurais é fundamental para trazer segurança jurídica, garantir publicidade da propriedade e oponibilidade contra terceiros, de modo a facilitar as resoluções de conflitos a respeito da propriedade e os seus limites, evitando-se invasões de terras, discussões de vizinhos, grilagem ou desmatamento ilegal.

CNB/GO: Quais são os principais desafios enfrentados pelos pequenos produtores na hora de regularizar suas terras?

A realidade é que os pequenos produtores por vezes não têm acesso à informação sobre quais procedimentos tomar para regularizar o seu imóvel, além da falsa premissa de que a regularização é burocrática e demorada. Os procedimentos de regularização na via extrajudicial buscam agilizar tais processos.

CNB/GO: Como funciona o procedimento de usucapião extrajudicial em cartório?

O procedimento de usucapião extrajudicial está previsto no art. 216-A da Lei de Registros Públicos, de modo que o interessado, representado por advogado, deve apresentar requerimento, acompanhado de todos os documentos necessários, ao cartório de registro de imóveis na comarca que estiver situado o imóvel (vide questão 6).

O requerimento será autuado pelo Oficial do cartório, de modo que se a planta não contiver as assinaturas necessárias, o Oficial do cartório notifica o proprietário registral, e os confrontantes, além dos Entes Públicos (Município, Estado, União) para que manifestem oposição em 15 dias. O silêncio implica em concordância.

Ainda, publica-se edital em jornal de grande circulação para dar ciência a terceiros interessados.

Transcorrido o prazo sem pendência de diligências e encontrando-se os documentos em ordem, o Oficial registrador reconhecerá e registrará a usucapião na matrícula do imóvel. Porventura o pedido seja rejeitado, pode o interessado propor ação na via judicial.

CNB/GO: Quais são os requisitos legais para que um imóvel rural possa ser regularizado por usucapião extrajudicial?

Os requisitos legais para regularização de imóvel por usucapião extrajudicial são: posse mansa, pacífica, ininterrupta e com intenção de ser dono. A área deve ser definida, limitada e o prazo pode variar conforme a modalidade de usucapião.

A usucapião especial rural, por exemplo, determina a posse mansa, pacífica e contínua por 5 anos, desde que a use para moradia e produção, não possua outro imóvel rural ou urbano, bem como o imóvel rural usucapiendo seja de até 50 hectares

Os documentos necessários para apresentação em cartório são:

  1. Ata notarial atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores;
  2. Planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado;
  3. Certidões negativas dos distribuidores da comarca de situação do imóvel e do domicílio do requerente;
  4. Justo título ou quaisquer documentos que demonstrem a origem e continuidade, natureza e tempo da posse, tais como pagamento de impostos e taxas sobre o bem.

CNB/GO: Quais são as vantagens da via extrajudicial em comparação com a judicial?

Na via extrajudicial o procedimento é mais célere do que no judiciário. Além disso, o procedimento extrajudicial é mais econômico e desburocrático, pois não exige a produção de provas complexas.

CNB/GO: Em que casos a usucapião extrajudicial não é possível?

A usucapião não será possível seguir na via extrajudicial caso: a) falte algum dos requisitos ou documentações necessários; b) o notificado apresente oposição ao pedido de usucapião no cartório; c) na hipótese da existência de litígio sobre a posse ou propriedade do imóvel.

CNB/GO: O que é a retificação de matrícula e em que situações ela se aplica em imóveis rurais?

Consoante art. 212 da Lei de Registros Públicos, a retificação de matrícula trata-se de procedimento administrativo que visa corrigir registro ou averbação imprecisa, omissa ou que não exprima a verdade.

Quanto aos imóveis rurais, o interessado deve requerer a retificação da matrícula para incluir descrição do georreferenciamento para fins de certificação no INCRA, sob pena de vedação de desmembramentos, parcelamentos, remembramentos e quaisquer transferências do imóvel rural.

CNB/GO: Como o procedimento de retificação pode contribuir para a precisão dos registros e evitar conflitos de vizinhança?

A retificação busca imprimir a descrição exata do imóvel à sua realidade física, evitando, por sua vez, conflitos de vizinhança. A correção de erros de medição e descrição definem os exatos limites de propriedade e evitam invasões, construções e disputas relacionadas com o terreno e vizinhos, além de prevenir disputas judiciais, haja vista as informações seguras e precisas no cartório.

CNB/GO: Quais documentos e informações são necessários para dar entrada nesse procedimento?

Primeiramente é necessário compreender os casos em que autorizam o procedimento de retificação:

a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;    

b) indicação ou atualização de confrontação;              

c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial;

d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georreferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais; 

e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro;   

f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação;    

g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas.

Os documentos necessários dependerão de cada caso, mas, em suma: o requerimento do interessado; a planta e memorial descritivo assinados por profissional legalmente habilitado e pelos seus confrontantes; levantamento topográfico; documentos oficiais dos Entes Públicos; documentos das partes, dentre outros.

Os documentos exigidos para a averbação do georreferenciamento de imóvel rural são: requerimento com firma reconhecida; CCIR vigente; declaração do ITR vigente e certidão negativa relativa ao imposto; planta e memorial descritivo certificados pelo Incra; ART – anotação de responsabilidade técnica ou documento correspondente; declaração de dispensa da anuência dos confrontantes; recibo de inscrição no Cadastro Ambiental Rural e o respectivo demonstrativo.

CNB/GO: De que forma a regularização fundiária impacta o acesso ao crédito rural e a programas de fomento governamentais?

A regularização fundiária facilita o acesso ao crédito rural e a programas de fomento governamentais, tendo em vista que a propriedade confere segurança jurídica e pode ser utilizada como forma de garantia nas operações de crédito e financiamentos. O imóvel rural regularizado pode ser financiado, vendido ou utilizado como garantia. 

CNB/GO: Como a atuação conjunta de notários, registradores de imóveis e advogados especializados pode tornar o processo mais eficiente?

A junção de profissionais com conhecimento técnico na área contribui para a solução do procedimento de forma mais célere e eficiente. Diante dos meios extrajudiciais para regularizar o imóvel rural, o profissional capacitado, além de realizar a análise da documentação, viabiliza a atuação em conjunto com o cartório e o melhor procedimento a ser adotado no caso.

CNB/GO: A senhora poderia comentar algum caso de sucesso em que a regularização extrajudicial foi decisiva para a valorização e desenvolvimento de uma propriedade rural?

Nos últimos anos o estado de Goiás busca a regularização fundiária rural[1], de modo a garantir aos proprietários rurais acesso a títulos de domínio, impactar na transformação de suas atividades, bem como fomentar a produção na área rural:

Adoniran foi um dos produtores que receberam os títulos de domínio. “Sei que isso trará muitos benefícios. Agora a terra está no meu nome, mas é da família toda. Posso fazer empréstimo no banco para beneficiar a propriedade e produzir cada vez mais”, comemora.

A produtora Maria Cristina Rosa Silva, também de São João d´Aliança, região Nordeste do Estado, viu sua realidade transformada. Desde 1968, ela vive em uma propriedade rural, onde planta soja, hortaliças e possui criação de galinhas caipiras. Porém, só agora teve o direito de chamar a terra de sua. “Tenho a certeza de que, depois de tantos anos de luta, angústias e sofrimentos, a terra está legalizada. Poderei crescer como produtora rural, mesmo sendo minha propriedade pequena.”

Maria Cristina está na fase de registro do imóvel no cartório local, mas os projetos já se tornaram maiores. “Terei a chance de fazer um empréstimo com juros mais baixos e poderemos, eu e minha família, pensar em produção de leite e gado de corte. Meus filhos já falam em um pequeno confinamento, que vai ajudar e muito a nossa vida financeira, vai possibilitar viver aqui, sem precisar ir para a cidade a trabalho”.

CNB/GO: Como o direito agrário se relaciona com a atividade notarial e registral nesses procedimentos?

O direito agrário, o direito imobiliário e a atividade notarial e registral se relacionam intrinsecamente nos procedimentos de regularização fundiária, haja vista a necessidade de conhecimento técnico das normas específicas sobre propriedade rural, posse, uso da terra, crédito rural, usucapião, retificação, dentre outros. Além disso, deve-se analisar as documentações e interpretar as normas cartorárias para realização do procedimento na via extrajudicial que mais se adequa ao caso.

CNB/GO: Qual é a importância da atuação dos cartórios como garantidores da legalidade e da segurança dos atos praticados?

A atuação dos cartórios é fundamental nos seus diversos princípios norteadores, tais como: a fé-pública conferida aos seus atos, os quais se consideram verdadeiros até prova em contrário; publicidade aos atos praticados, a qual garante conhecimento e oponibilidade contra terceiros; segurança jurídica, diante da análise minuciosa pelo cartório dos documentos apresentados e conferência de sua autenticidade.

CNB/GO: Que cuidados o proprietário rural deve ter antes de iniciar o processo de regularização?

O proprietário rural deve consultar um advogado especializado para analisar os documentos e verificar qual o melhor caminho a ser seguido para regularização do seu imóvel, haja vista os procedimentos específicos extrajudiciais. Além do mais, é importante que o advogado, juntamente com o proprietário rural, reúna as documentações necessárias como contratos, plantas, memorial, levantamentos topográficos, bem como verifique a situação do imóvel junto aos órgãos competentes.

A depender da espécie de regularização, o proprietário rural deve guardar os comprovantes de pagamento inerentes sobre o bem, como, por exemplo, IPTU, água, energia, dentre outros.


[1] Retirado de: https://goias.gov.br/agricultura/regularizacao-fundiaria-transforma-vida-de-produtores-rurais-em-goias/

Por Camila Braunas. Assessoria de Comunicação do CNB/GO.

Regularização Fundiária Rural: Segurança Jurídica E Desenvolvimento Com O Apoio Dos Cartórios
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