skip to Main Content

Sem previsão legal, situações contemporâneas e cotidianas chegam diariamente ao Judiciário. Enquanto o Legislativo não regulamenta aspectos relacionados às uniões homoafetivas, inseminação caseira e reprodução assistida, diversos casais recorrem à via judicial para ter seus direitos garantidos.

Em entrevista ao IBDFAM, especialistas avaliam os desafios da ausência legislativa e a urgente necessidade de adequação. Confira, a seguir:

Tecnologias de reprodução assistida – Definição de paternidade e responsabilidade financeira


Presidente da Comissão de Biodireito e Bioética do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Eduardo Vasconcelos dos Santos Dantas considera a insegurança jurídica o principal desafio imposto pela falta de previsão legal na seara da reprodução assistida.

“É um cenário que potencializa a judicialização e é prejudicial a absolutamente todas as partes envolvidas: médicos, pacientes beneficiários das técnicas, crianças nascidas por meio delas, doadores de material genético e mulheres que se disponham a ceder temporariamente seu útero para uma gestação solidária, etc”, observa.

Conforme o especialista, a situação é ainda mais delicada em razão da rápida evolução das técnicas e tecnologias disponíveis. As propostas de projetos de lei, segundo ele, também não acompanham o ritmo das mudanças e os efeitos por elas produzidos.

“Ante à ausência de previsão legal adequada, é natural que tenhamos decisões influenciadas por fatores externos, como crenças pessoais e convicções religiosas, levando ao pior cenário possível: o da imprevisibilidade”, aponta.

De acordo com o diretor nacional do IBDFAM, ainda há espaço para interpretações díspares, mesmo com a existência de normas deontológicas, como a Resolução 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina – CFM. “O que se observa é a necessidade de estabelecimento de padrões, pois a Lei de Planejamento Familiar é mais principiológica que dogmática.”

O diretor nacional do IBDFAM entende como necessária a promoção de discussões mais profundas sobre as consequências das possibilidades tecnológicas e seus efeitos práticos nas relações familiares para adequar o Direito das Famílias e das Sucessões. Assim, “estabelecendo marcos temporais e regras claras para lidar com os aspectos jurídicos decorrentes do uso de técnicas de procriação medicamente assistida.”

“Hoje lidamos com questões que surgem antes do nascimento – desde a representatividade de embriões criopreservados e seu status jurídico;  até depois da morte, com a possibilidade de reprodução post-mortem décadas após o falecimento dos genitores, e com o nascimento de filhos que têm direitos iguais aos filhos preexistentes, sem regras claras a respeito do tema e suas consequências”, lembra o especialista.

Ele comenta: “Há que se compatibilizar o ordenamento – inclusive e principalmente o constitucional – com a Medicina do mundo real”.

Uniões homoafetivas – direitos de herança, visitação e partilha de bens

Segundo o advogado Paulo Iotti, membro do IBDFAM, aspectos de herança, visitação e partilha nas uniões homoafetivas têm tido o mesmo tratamento de relações heteroafetivas desde o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal – STF,  em 2011. “Como a decisão de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade tem força de lei, não se teve mais questionamentos desde então.”

No entendimento do especialista, a importância da lei positivar os direitos reconhecidos pelo STF se refere à segurança jurídica. “É mais difícil mudar uma lei que uma decisão judicial, pois, em tese, mudança de composição do Tribunal pode gerar revogação de direitos.”

“Positivar na lei mostra maior maturidade democrática da sociedade. Afinal, democracia não é ditadura da maioria, mas regime jurídico-político em que a maioria respeita direitos básicos de cidadania das minorias, garantidos na Constituição e nos tratados internacionais de direitos humanos. O direito à não discriminação aplicado aos diversos temas decididos pelo STF, no caso”, afirma.

Iotti complementa: “As decisões do STF são democráticas, pois impõem respeito à Constituição”. Ele frisa, porém, a importância para a democracia de que a cidadania das minorias sociais não dependa só do Judiciário.

“Embora o princípio da igualdade imponha a analogia para garantia de direitos a uniões homoafetivas e a famílias LGBTI+, em geral, falar do casamento civil e da união estável como união entre pessoas, sem definir gênero, é um passo importante”, afirma.

O advogado aponta a importância pedagógica de um dispositivo que estabeleça que não se negarão direitos a pessoas com base em orientação sexual ou identidade de gênero. “Especialmente para pessoas trans, que não podem ter o direito à parentalidade negado pelo simples fato de viverem sua identidade de gênero.”

“Mas, assim como a Corte Interamericana decidiu que não se pode retirar a guarda de filhos/as a partir de estereótipos sobre a homossexualidade e as orientações sexuais em geral (caso Atalla Riffo e filhas vs. Chile, 2012), o mesmo vale para as transgeneridades e identidades de gênero em geral. Tudo isso, embora o princípio geral de não discriminação do artigo da Constituição já o garanta. Creio que são alguns pontos que podem ajudar na não discriminação das famílias homoafetivas e pessoas LGBTI+, em geral”, pondera.

Inseminação caseira e dupla maternidade

De acordo com o advogado e professor Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, tem sido crescente o número de casos na Justiça referente ao registro de dupla maternidade e inseminação artificial caseira. “Um dos motivos é o aumento do custo dos procedimentos, além da crise pós-pandemia e do grande volume de interessados.”

O advogado explica que a legislação brasileira ainda não regula, de modo expresso, as filiações resultantes de procedimentos caseiros informais. “Assim, há um certo espaço para refletir sobre as projeções jurídicas decorrentes.”

“Mesmo na ausência de regramento legal, é possível que se edifiquem as respostas. O Poder Judiciário não poderá, provavelmente, furtar-se a enfrentar as demandas concretas que resultem desses chamados procedimentos de reprodução assistida caseira”, afirma.

No entendimento do especialista, outros princípios do ordenamento jurídico podem fundamentar eventual posicionamento específico sobre situações efetivamente novas. Entre eles, cita o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o direito à convivência familiar, dispostos na Constituição Federal.

Calderón pontua que muitas decisões têm como base os Provimentos 63 e 83 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que regulam o registro de filhos socioafetivos e de casais homoafetivos. “Esses provimentos não efetivamente incluem a reprodução assistida caseira, mas são utilizados como inspiração pela Justiça.”

O professor reconhece a importância da regulação específica e particularizada em  casos de reprodução assistida. No entanto, afirma que o tema é novo “e ainda está a receber as primeiras decisões judiciais, muitas vezes em primeira instância”.

“A elaboração de uma legislação mais robusta exige certa maturidade nas conclusões. Essa experiência pode contribuir para uma legislação um pouco mais apropriada, segura e adequada”, avalia.

O diretor nacional do IBDFAM observa que a falta de legislação específica gera insegurança jurídica e pode trazer dificuldade para quem recorre às técnicas caseiras, pois será necessário recorrer ao Poder Judiciário para viabilizar um registro de nascimento adequado. Por outro lado, ele aponta que a jurisprudência vem dando guarida para tais questões.

“Diversas decisões judiciais vêm permitindo que as pessoas à frente desse projeto parental consigam o registro de nascimento no nome de ambas as mães. Ou seja, o Poder Judiciário vem tutelando sobre essas questões”, comenta.

Segundo Calderón, a tessitura jurídica já tem elementos para fundamentar as deliberações, ainda que sempre com a intervenção do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Por outro lado, o advogado pondera que o Judiciário já enfrenta diversos litígios nesta seara. Entre eles, aspectos registrais e de convivência familiar.

“O tema é efetivamente instigante e tem diversas nuances e possibilidades já debatidas atualmente. É um dos grandes desafios do presente e também do futuro do Direito das Famílias brasileiro”, conclui.

Fonte: IBDFAM

Back To Top