Em entrevista para o CNB/GO, o advogado Vinícius Serafim explica quando usar a procuração, quais cuidados tomar e como o e-Notariado trouxe mais agilidade e proteção aos atos à distância
A procuração é um dos instrumentos jurídicos mais presentes na vida cotidiana, embora muitas pessoas só descubram sua importância diante de uma necessidade urgente — seja para resolver questões familiares, empresariais ou patrimoniais. No contexto atual, em que os atos da vida civil exigem cada vez mais agilidade e segurança, compreender como funciona esse documento, quais cuidados tomar e quando ele é realmente indispensável torna-se essencial para evitar riscos e prejuízos. Com a expansão dos serviços notariais eletrônicos, especialmente pelo e-Notariado, o tema ganhou ainda mais relevância, permitindo que cidadãos outorguem poderes a terceiros de forma prática, segura e acessível, sem abrir mão da proteção jurídica.
Para aprofundar esse assunto e esclarecer dúvidas recorrentes da população, o CNB/GO entrevista o advogado Vinícius Nunes Mendes Serafim, especialista em Direito Civil e Processo Civil, especialista em Direito Civil, Secretário Geral da Comissão de Direito Civil da OAB/GO e Processo Civil e referência na área. Ao longo desta conversa, ele explica o que é uma procuração, os tipos existentes, os erros mais comuns e como se proteger ao delegar poderes a outra pessoa. Também aborda em quais situações a procuração é obrigatória, de que forma ela pode evitar prejuízos e como funciona sua emissão por meio eletrônico, destacando o papel fundamental dos Cartórios de Notas na orientação, segurança e prevenção de fraudes.
Confira a entrevista na íntegra:
CNB/GO: O que é uma procuração e qual é a finalidade principal desse instrumento jurídico?
Vinícius Nunes: A procuração é o instrumento do contrato de mandato, por meio do qual uma pessoa, denominada outorgante, concede a outra, o outorgado ou procurador, poderes para praticar atos ou administrar interesses em seu nome. A finalidade principal é viabilizar a representação, permitindo que uma pessoa se faça presente em atos da vida civil por meio de um representante de sua confiança, garantindo a continuidade de negócios e a resolução de questões quando há impedimento, distância ou mera conveniência do outorgante.
CNB/GO: Quais são os elementos essenciais que uma procuração precisa ter para ser válida?
Vinícius Nunes: Para ser válida, uma procuração precisa conter elementos essenciais descritos no artigo 654 e seguintes do Código Civil, quais sejam: a qualificação completa do outorgante (quem concede os poderes) e do outorgado (quem os recebe); incluindo nome completo, nacionalidade, estado civil, profissão, documento de identidade, CPF e endereço; a data e o local de sua emissão; e, de forma clara e precisa, o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos. Por fim, é indispensável a assinatura do outorgante.
Sempre que se tratar de procuração pública, o ato deve ser lavrado em Cartório de Notas, sob a fé pública do tabelião, que confere autenticidade ao conteúdo e à manifestação de vontade.
CNB/GO: Quais são os principais tipos de procuração existentes (pública, particular, específica, geral, ad judicia….) e em quais situações cada uma é mais indicada?
Vinícius Nunes: A procuração pública é lavrada em Cartório de Notas e costuma ser indicada para atos de maior relevância patrimonial, como compra e venda de imóveis, constituição de garantias, doações e negócios envolvendo valores elevados. A procuração particular é redigida pelas partes e, em muitos casos, aceita com reconhecimento de firma, sendo usual em situações mais simples do cotidiano. Procurações específicas delimitam poderes para um ato ou negócio determinado, como vender um imóvel descrito no próprio instrumento. Procurações gerais autorizam um conjunto amplo de atos, em especial de administração, razão pela qual exigem cuidado redobrado na redação. Procurações “ad judicia” destinam-se à representação em processos judiciais, permitindo que o advogado pratique atos processuais em nome do cliente, conforme as exigências do Código de Processo Civil.
CNB/GO: Em que casos a lei exige que a procuração seja feita obrigatoriamente por meio de escritura pública?
Vinícius Nunes: A lei exige a procuração por escritura pública em situações que demandam maior solenidade e segurança jurídica. A regra principal, contida no artigo 657 do Código Civil, estabelece que a procuração deve ter a mesma forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Isso ocorre, por exemplo, em negócios que envolvem transferência de propriedade de imóveis acima de determinado valor, instituição de usufruto, hipoteca, doação de bens imóveis e outros atos que, por lei, dependem de escritura pública. Nesses casos, a procuração que autoriza a prática do ato deve seguir a mesma forma solene, para preservar a segurança jurídica da operação.
CNB/GO: Em quais situações práticas uma procuração se mostra indispensável, especialmente no dia a dia das famílias e empresas?
Vinícius Nunes: No dia a dia, a procuração é indispensável em inúmeras situações. Para famílias, é comum seu uso por pessoas idosas ou com mobilidade reduzida para que filhos ou pessoas de confiança realizem operações bancárias, recebam benefícios do INSS ou administrem bens. Em empresas, é fundamental para que sócios e administradores deleguem a gerentes ou advogados poderes para assinar contratos, representar a sociedade perante órgãos públicos, participar de licitações e movimentar contas bancárias, garantindo a agilidade e a continuidade das operações comerciais.
CNB/GO: Quais atos uma pessoa não pode delegar por procuração?
Vinícius Nunes: Não se pode delegar os chamados atos personalíssimos, aqueles que a lei exige a atuação direta e pessoal do titular do direito por sua natureza intransferível. Os exemplos mais clássicos são o exercício do voto, a elaboração de um testamento, a prestação de depoimento pessoal em juízo e o ato de adoção. Além disso, os incapazes e aqueles que não conseguem expressar sua vontade também são impedidos de delegar a procuração.
CNB/GO: Quais cuidados a pessoa deve tomar antes de outorgar uma procuração a alguém?
Vinícius Nunes: O primeiro cuidado consiste em escolher um procurador de absoluta confiança, já que ele terá poderes para agir em nome do outorgante. Além disso, recomenda-se definir com precisão quais atos poderão ser praticados, evitar poderes excessivamente genéricos, limitar valores, prazos e finalidades e avaliar se haverá autorização para substabelecer (transferir poderes a terceiros). Sempre que possível, especialmente em situações relevantes, é prudente buscar orientação de advogado e do Cartório de Notas, para adequar o instrumento às necessidades do caso concreto.
CNB/GO: Quais são os riscos mais comuns quando a procuração é feita sem orientação profissional ou sem ir ao cartório?
Vinícius Nunes: Quando a procuração é elaborada sem orientação técnica, surgem riscos como poderes amplos demais, que permitem ao procurador praticar atos que o outorgante não imaginava, além da possibilidade de recusa do documento por bancos ou órgãos públicos por falta de requisitos formais. A ausência de lavratura em Cartório de Notas, em casos que exigem maior segurança, pode facilitar fraudes, dificultar a prova da verdadeira vontade do outorgante e gerar prejuízos patrimoniais relevantes, sobretudo quando não há controle sobre o uso do instrumento.
CNB/GO: Como o advogado orienta o cliente a definir corretamente o alcance dos poderes concedidos ao procurador, para evitar abusos ou prejuízos?
Vinícius Nunes: O advogado, ao ouvir o cliente, identifica quais atos realmente precisam ser delegados e propõe uma redação que delimita objetivos, valores, prazos e condições de exercício dos poderes. A orientação costuma incluir a recomendação de evitar cláusulas genéricas, sobretudo em procurações gerais, e, quando necessário, sugere-se a adoção de procuração específica para cada negócio relevante. O profissional também esclarece sobre a possibilidade de substabelecimento e sobre os mecanismos de revogação, de modo a reduzir o risco de abusos e evitar prejuízos ao outorgante.
CNB/GO: Por quanto tempo uma procuração é válida e quando é recomendado revogá-la?
Vinícius Nunes: A procuração pode ter prazo determinado, previsto no próprio documento, ou prazo indeterminado, quando não houver limitação expressa. O mandato extingue-se em hipóteses como revogação pelo outorgante, renúncia do procurador, morte ou interdição de uma das partes e conclusão do negócio para o qual foi concedido. Recomenda-se a revogação sempre que cessar a necessidade de representação, em caso de rompimento de confiança ou quando houver mudança relevante na situação patrimonial ou familiar, devendo o outorgante comunicar formalmente o procurador e terceiros interessados.
CNB/GO: Como funciona a emissão de uma procuração por meio eletrônico?
Vinícius Nunes: A procuração eletrônica é lavrada por meio da plataforma e-Notariado, instituída e gerida pelo Colégio Notarial do Brasil, que permite a realização de atos notariais online com a mesma segurança jurídica dos atos presenciais. O interessado, após obter seu certificado digital em um Cartório de Notas credenciado, solicita o ato eletrônico, participa de videoconferência com o tabelião para confirmar sua identidade e vontade, assina digitalmente o instrumento e recebe o documento eletrônico com todos os requisitos formais.
CNB/GO: Quais tecnologias garantem a segurança jurídica no processo, como videoconferência, assinatura digital e biometria facial?
Vinícius Nunes: O sistema e-Notariado utiliza videoconferência obrigatória para captar a manifestação de vontade das partes em tempo real, com gravação da sessão, o que aumenta a proteção contra coação e simulações. A assinatura digital ocorre por meio de certificado digital ou certificado ICP-Brasil, garantindo autenticidade e integridade do documento. A plataforma incorpora, ainda, mecanismos de validação biométrica e cruzamento de dados, o que fortalece a identificação do usuário e reduz significativamente o risco de fraudes.
CNB/GO: Quais cuidados adicionais o cidadão deve ter ao emitir ou receber uma procuração totalmente online?
Vinícius Nunes: O cidadão deve certificar-se de que está utilizando o ambiente oficial do e-Notariado ou o canal indicado pelo Cartório de Notas de confiança, evitando links enviados por terceiros desconhecidos. Recomenda-se verificar se o cartório é credenciado, conferir se o conteúdo da procuração corresponde exatamente ao que foi combinado e guardar o documento eletrônico e os comprovantes de assinatura em local seguro, fazendo-se, preferencialmente, a conferência da validação do documento através do QRCODE emitido pelo e-Notariado, juntamente com o código de segurança acompanhado na procuração.
CNB/GO: Qual é a importância do Cartório de Notas na elaboração de uma procuração pública?
Vinícius Nunes: O Cartório de Notas exerce papel central na prevenção de conflitos, porque o tabelião, ao lavrar a procuração pública, verifica a capacidade das partes, esclarece dúvidas, orienta sobre a forma adequada do ato e registra a manifestação de vontade sob fé pública. A procuração pública lavrada em Cartório de Notas confere maior força probante ao documento, facilita sua aceitação por instituições financeiras e órgãos públicos e cria um registro permanente, acessível para futuras conferências e certidões.
CNB/GO: De que maneira o tabelião assegura a autenticidade da vontade das partes e a prevenção de fraudes?
Vinícius Nunes: O tabelião realiza a identificação rigorosa das partes por meio de documentos oficiais e, em atos eletrônicos, utiliza tecnologias de videoconferência, biometria e certificação digital. Durante o atendimento, o profissional verifica se há compreensão do conteúdo, ausência de vícios de consentimento e adequação do ato à legislação. Havendo indícios de coação, simulação ou incapacidade, o tabelião pode recusar a prática do ato, contribuindo de forma decisiva para a prevenção de fraudes.
CNB/GO: Como os cartórios contribuem para a possibilidade de atos à distância, garantindo acessibilidade e segurança?
Vinícius Nunes: Os Cartórios de Notas, por meio da plataforma e-Notariado, possibilitam que cidadãos realizem procurações públicas e outros atos sem necessidade de deslocamento, inclusive quando residem em cidades diversas ou no exterior. Essa estrutura aproxima o serviço notarial do usuário, amplia a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida e mantém o padrão de segurança jurídica dos atos presenciais, por meio de videoconferência, certificação digital e armazenamento centralizado das informações.
CNB/GO: Quais são os maiores mitos sobre procurações que ainda confundem o cidadão?
Vinícius Nunes: Circula a ideia equivocada de que a procuração confere “poder absoluto” ao procurador, quando, na realidade, os poderes são definidos pelo texto do instrumento e podem ser limitados de forma bastante precisa. Outro mito frequente consiste na crença de que toda procuração é perigosa ou desnecessária, embora o instrumento seja, muitas vezes, a única forma prática de resolver questões familiares e empresariais. Também se verifica a falsa impressão de que a procuração eletrônica seria menos segura que a presencial, apesar de a plataforma e-Notariado utilizar camadas adicionais de autenticação e registro digital.
CNB/GO: Que recomendações o senhor(a) daria para quem precisa outorgar uma procuração pela primeira vez?
Vinícius Nunes: A orientação inicial consiste em definir com clareza qual problema se pretende resolver com a procuração e, a partir daí, buscar auxílio de advogado ou do Cartório de Notas para escolher o tipo de instrumento mais adequado. A escolha do procurador deve recair sobre pessoa de confiança, que conheça a realidade do outorgante e respeite os limites estabelecidos. Recomenda-se preferir poderes específicos, delimitar prazos e valores sempre que possível, ler atentamente todo o conteúdo antes da assinatura e, por fim, guardar informações sobre como revogar a procuração, caso a necessidade de representação deixe de existir.
Por Camila Braunas. Assessora de Comunicação do CNB/GOc
