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Legislador tributário condiciona responsabilidade solidária a dois requisitos: impossibilidade do contribuinte cumprir obrigação principal e vinculação indireta do responsável ao fato gerador, afastando benefício de ordem.

Examinares neste artigo a responsabilidade em relação ao ITBI e ao ITCMD que se opera diferentemente.

Dispõe o art. 134 do CTN:

“Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação tributária principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.” 1

Vários doutrinadores especializados entendem que por se tratar de responsabilidade solidária a responsabilidade das pessoas enumeradas nos incisos I usque VII independe da verificação de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Isso é correto em termos de direito civil. Porém, o legislador tributário  condicionou claramente  a responsabilidade solidária de terceiros aí referidos a dois requisitos impostergáveis: a impossibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação principal e o fato de o responsável solidário ter uma vinculação indireta, por meio de um ato comissivo ou omissivo, com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária. Na verdade o legislador quis referir-se à responsabilidade subsidiária, porque a solidária não comporta benefício de ordem (parágrafo único do art. 124 do CTN). Claramente o legislador afastou-se da solidariedade definida no art. 264 do CC, hipótese em que todos os devedores respondem solidariamente na forma do art. 942 do CC. Com base na faculdade prevista no art. 109 do CTN o legislador tributário, apesar de manter a denominação de responsabilidade solidária no art. 134 do CTN, conferiu a essa categoria jurídica efeitos tributários próprios de uma responsabilidade subsidiária de que cuida o art. 1.024 do estatuto material.

Examinemos a  responsabilidade solidária dos tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício em relação ao ITBI.

A maioria das legislações municipais prescreve a obrigação dos tabeliães, escrivães e oficiais de registro de imóveis de exigir a exibição do comprovante de recolhimento do ITBI que deve ser  transcrito no ato notarial (escritura pública de transmissão da propriedade), sob pena de imposição de multas pecuniárias.

De fato, a lei 14.154, de 30-12-91, do Município de São Paulo dispõe:

“Art. 19. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:(Redação dada pela lei 14.256/06)

verificar a existência da prova do recolhimento do Imposto ou do reconhecimento administrativo da não-incidência, da imunidade ou da concessão de isenção; (Redação dada pela lei 14.256/06)

verificar, por meio de certidão emitida pela Administração Tributária, a inexistência de débitos de IPTU referentes ao imóvel transacionado até a data da operação.”(Redação dada pela lei 14.256/06)

“Art. 20 – Os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos ficam obrigados:

a facultar, aos encarregados da fiscalização, o exame em cartório dos livros, autos e papéis que interessem à arrecadação do imposto;

a fornecer aos encarregados da fiscalização, quando solicitada, certidão dos atos lavrados ou registrados, concernente a imóveis ou direitos a eles relativos;

a fornecer, na forma regulamentar, dados relativos às guias de recolhimento.

a prestar informações, relativas aos imóveis para os quais houve lavratura de ato, registro ou averbação, na forma, condições e prazos regulamentares.” (Incluído pela lei 15.406/11)

“Art. 21 – Os notários, oficiais de Registro de Imóveis, ou seus prepostos, que infringirem o disposto nesta lei, ficam sujeitos à multa de:(Redação dada pela lei 13.402/02)

R$ 200,00, por item descumprido, pela infração ao disposto no parágrafo único do art. 11 desta lei;(Redação dada pela lei 14.256/06)

R$ 5.000,00, por item descumprido, pela infração ao disposto nos arts. 19 e 20 desta lei.(Redação dada pela lei 14.256/06)

Parágrafo único. As importâncias fixas previstas neste artigo serão atualizadas na forma do disposto no art. 2º e parágrafo único da lei 13.105, de 29 de dezembro de 2000.” (Incluído pela lei 14.256/06)

Como se verifica da parte final do inciso I, do art.  19 não é permitido aos notários e registradores públicos o reconhecimento de casos de  não incidência, de  imunidade e de  isenção impondo-lhe o dever de exigir documentação expedida pela administração tributária municipal, reconhecendo as exonerações tributárias pelas três formas previstas.

Essa exigência contida no inciso I, do art. 19 quanto aos notários e tabeliães mostra-se ilegítima e abusiva, porque a transmissão da propriedade imobiliária somente ocorre com o registro do título de transferência no registro imobiliário competente, ao teor do art. 1.245 do Código Civil:

“Art. 1.245 Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.

Ora, se o imposto é sobre a transmissão da propriedade entre vivos parece óbvio que  o fato gerador da respectiva obrigação tributária somente ocorre com a efetiva transmissão da propriedade, não antes dela.

Nesse sentido é remansosa a jurisprudência do STJ:  RESPs 256.364, 12.546, 264.064,57.641; AGA nº 448.245; ROMS nºs 10.650 e 10.659.

Assinale-se  que a definição, assim como o alcance e conteúdo da “transmissão da propriedade imobiliária” utilizados pelo legislador constituinte para definir a competência tributária municipal não  podem ser alterados  pela legislação tributária, de conformidade com a prescrição do art. 110 do CTN.

Do exposto, resulta que tabeliães e notários são pessoas absolutamente alheias à situação  configuradora do fato gerador  de obrigação tributária à luz do que dispõe o art. 128 do CTN. Esse dispositivo exige que o terceiro a ser responsabilizado esteja indiretamente vinculado ao fato gerador da obrigação tributária. É o caso, por exemplo, do vendedor do imóvel que poderá ser responsabilizado pelo pagamento do imposto devido pelo comprador, caso a lei local tenha atribuído ao comprador a sujeição passiva do imposto. 

Todavia, em relação aos registrários poderá haver essa responsabilização solidária, deesde que observados os reqisitos impostergáveis do art. 134 do CTN: (a) a impossibilidade de o contribuinte (sujeito passivo natural) cumprir a obrigação principal; (b) o fato de o responsável tributário ter uma vinculação indireta com a  situação configuradora do fato gerador da obrigação tributária, por meio de atos, comissivo ou omissivo.

Igualmente, mostra-se ilegítima e abusiva exigir em relação aos notários e tabeliães  a exibição de dados concernentes  às guias de recolhimento do imposto, como consta do  inciso III, do art. 20 porque não são pessoas passíveis de responsabilização pelo pagamento do ITBI.

Por fim, o art. 21 impõe aos notários e tabeliães multas pecuniárias pelo descumprimento de obrigações previstas nos artigos antecedentes.

Assinala-se, de início, que descabe a cogitação de multas em relação a tabeliães e notários não passíveis de responsabilização no que tange a esse imposto, como já  verificado.

Em relação a oficiais de registro, em tese, as multas estipuladas têm fundamento na teoria de que obrigações desprovidas de sanções são inúteis. A força coativa das leis repousa exatamente na aplicação de sanção em caso de seu descumprimento.

Todavia, há posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que os notários e oficiais de registros e demais serventuários da Justiça só se sujeitam à fiscalização pelo Poder Judiciário, único órgão legitimado a impor sanções em casos de transgressões legais. 

Com o desmembramento do imposto sobre transmissão de bens imóveis a partir do advento da Constituição de 1988 a transmissão causa mortis, bem como, a doação ficaram inseridas na competência impositiva dos Estados. 

A Lei que rege o ITCMD no Estado de São Paulo, Lei nº 10.705, de 28-12-2000, prescreve em seu art. 8º:

“Artigo 8º – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento das obrigações principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

o tabelião, escrivão e demais serventuários de ofício, em relação aos atos tributáveis praticados por eles ou perante eles, em razão de seu ofício;

a empresa, instituição financeira e bancária e todo aquele a quem couber a responsabilidade do registro ou a prática de ato que implique na transferência missão de bem móvel ou imóvel e respectivo direito ou ação;

o doador, o cedente de bem ou direito, e, no caso do parágrafo único do artigo anterior, o donatário;

qualquer pessoa física ou jurídica que detiver ver o bem transmitido ou estiver na sua posse, na forma desta lei;

os pais,pelos tributos devidos pelos seus filhos menores;

os tutores e curadores, pelos tributos devidos pelos seus tutelados ou curatelados;

os administradores de bens de terceiros,pelos tributos devidos por estes;

o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio.”

O caput desse art. 8º reproduz o disposto no art. 134 do CTN já comentado.

No que tange ao inciso I, que se refere aos “atos tributáveis praticados” (por tabelião, escrivão e demais serventuários de ofício) não se deve interpretar literalmente, pois é sabido que esses agentes não praticam atos tributáveis, do contrário, seriam contribuintes, e não responsáveis tributários. Em  relação a um mesmo fato gerador uma pessoa não pode ser, ao mesmo tempo, contribuinte e responsável, porque são figuras jurídicas mutuamente excludentes ao teor do parágrafo  único, do art. 121 do CTTN.

A exegese correta é no sentido de que as pessoas  aí referidas não praticam atos tributáveis, mas, intervêm na situação configuradora do fato gerador da obrigação tributária  ou se omitem quanto a obrigações tributárias faltando com o dever legal.

Quando o notário, por exemplo, lavra uma escritura pública de inventário e partilha intervém no ato tipificador da incidência do ITCMD, sendo na hipótese devido o imposto de transmissão causa mortis, cujo fato gerador em seu aspecto temporal é a data do evento morte, por força do princípio da saisine adotado pelo art. 1.784 do Código Civil. Em relação  à doação de bem imóvel o fato gerador somente ocorre no ato do registro da escritura de transmissão no registro imobiliário competente, sendo inexigível o imposto antes do registro.

No mais, esse art. 8º será analisado por ocasião dos comentários da lei 10.705/00 no item 11.

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1 Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT.


Fonte: Migalhas

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