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Após ser vetada quatro vezes pelo presidente da República e aprovada cinco vezes pelo Parlamento, a lei que a autoriza a Eutanásia entrou em vigor em Portugal. No Brasil, o assunto ainda não está previsto em pauta, porém um novo ato relacionado ao tema vem sendo cada vez mais procurado nos Cartórios de Notas aqui do país. Trata-se das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs), popularmente conhecida como Testamento Vital.

Por meio deste documento, uma pessoa deixa registrado orientações sobre como deseja ser tratada, caso venha a ficar incapacitada de expressar sua vontade em razão de acidente ou doença grave, como o de não se submeter a tratamento de prolongamento de vida de modo artificial, ou ainda, deixar claro que se recusa a receber transfusão de sangue em caso de acidente ou cirurgia.

Para entender melhor como funciona o Testamento Vital aqui no Brasil, o CNB/GO conversou com Luciana Dadalto, Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG e Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. Luciana esclareceu algumas dúvidas em relação ao tema. Confira a entrevista na íntegra: 

1:No Brasil, ainda não existe uma lei específica que regulamente as DAVs. Como esse instrumento tem sido respaldado legalmente, qual a importância de uma legislação específica para as DAVs?

Luciana Dadalto: O fundamento jurídico do Testamento Vital são os princípios constitucionais da dignidade humana e da autodeterminação. Há poucas decisões sobre o tema no Brasil e a maior parte delas confunde testamento vital com outras espécies de documentos de DAV.

Uma lei seria bem importante para, em primeiro lugar, pôr fim à confusão terminológica. Pois, ao contrário do que se convencionou no Brasil, os documentos de DAV são um gênero de documentos e, portanto há diferentes espécies.

Testamento vital não é sinônimo de DAV e todas as vezes em que reforçamos este erro, restringimos a autodeterminação do paciente.

2:Há alguma proposta ao congresso relacionada a isso? Se sim, quais são as principais propostas em discussão e como elas podem contribuir para a segurança jurídica dos pacientes?

Luciana Dadalto: Sim. Há o projeto de lei do Senado 2986/2022 (antigo PL 149/2018). É preciso, em primeiro lugar, compreender que a aprovação de uma lei, sozinha, não tem o condão de mudar a realidade.

A aprovação do PL 2986 daria mais segurança jurídica para pacientes, na medida em que deixaria claro qual o conteúdo válido, a legalidade do documento, as possíveis formas e, essencialmente, o caráter vinculante.

3:Quais são os requisitos legais para que esse documento seja válido e eficaz?

Luciana Dadlto: Requisitos de validade: capacidade do outorgante, forma prescrita ou não defesa em lei, conteúdo lícito, possível, determinado ou determinável.

Requisitos de eficácia: perda de capacidade decisória em situação de adoecimento incurável e/ou terminal.

4:Quais são os elementos que podem e não podem ser incluídos no Testamento Vital?

Luciana Dadalto: Elementos que não podem ser incluídos:

a) toda e qualquer disposição patrimonial

b) e disposições existenciais que não se relacione especificamente à cuidados de saúde

c) pedidos de distanásia

Uma observação: é preciso entender que testamento vital não se confunde com autocuratela e nem com tomada de decisão apoiada.

Elementos que devem ser incluídos:

a) valores pessoais

b) a quais estados clínicos o documento se refere

c) quais cuidados, tratamentos e procedimentos o paciente aceita e quais ele recusa

Elementos facultativos:

a) procuração para cuidados de saúde

b) pedidos de eutanásia, desde que fique claro que o outorgante sabe que este pedido só produzirá efeito se e quando a eutanásia for legalizada no país.

c) nomeação de um médico de confiança

d) preferência de local de cuidado

e) doação de órgãos e ritos fúnebres.

5:O testamento vital pode ser alterado ao longo do tempo?

Luciana Dadalto: Sim, e deve. O testamento vital é uma manifestação de vontade e, como toda manifestação de vontade pode ser alterada a qualquer tempo (desde que o outorgante tenha capacidade decisória).

6:Existe alguma situação em que o Testamento Vital possa ser contestado ou invalidado por familiares ou terceiros? Quais precauções podem ser tomadas para garantir que o Testamento seja respeitado conforme a vontade do indivíduo?

Luciana Dadalto: Todo negócio jurídico pode ser contestado quando houver violação aos requisitos de validade e eficácia, por isso, as precauções são evitar que tais requisitos sejam violados.

Além disso, pela minha experiência, um testamento vital é contestado/descumprido quando os familiares discordam da vontade do outorgante; por isso, eu digo sempre para pessoas que querem fazer seu testamento vital: “mais importante do que um documento, é você conversar com seus familiares e sensibilizá-los à cumprir suas vontades.”

7:Por fim, qual é a sua visão sobre a importância e relevância do Testamento Vital na sociedade atual, considerando as questões de autonomia e decisões sobre tratamentos médicos em situações de incapacidade?

Luciana Dadalto: O testamento vital é uma importante ferramenta de autodeterminação para o fim de vida. É produto de uma cultura que prioriza a vida biográfica em detrimento da vida biológica e que compreende que não há dignidade no morrer se o paciente não é ouvido.

Contudo, é preciso avançar na perspectiva dos demais documentos de DAV, para que possamos compreender que há autodeterminação em outras situações de saúde e que para cada uma das situações há um documento de DAV em específico.

Isso é imperioso para que não continuemos a desnaturar o testamento vital.

Fonte: Assessoria de comunicação CNB/GO

Mestre Em Direito Privado, Luciana Dadalto, Conversa Com O CNB/GO Sobre As Implicações Jurídicas Do Testamento Vital
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