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Só no ano de 2022, até o mês de maio, foram registrados mais de 500 mil óbitos no Brasil. Em 2021 foram registrados mais de 1,7 milhão de mortes pelos cartórios brasileiros, segundo o portal da Transparência de Registro Civil.

Apesar de ser um evento certo e inevitável, a lástima da perda de um ente querido envolve, também, a preocupação de como e onde deverá ser realizada a transmissão do ativo do falecido para seus sucessores e qual lei será aplicada ao caso concreto.

Dentre todos os pressupostos legais que a formalidade de um inventário exige, como o pagamento de impostos, abertura de testamentos, administração e manutenção de bens, formalização de bens não escriturados, neste procedimento de transmissão de bens e direitos após a morte, há que se verificar também onde o de cujus firmou seu último domicílio e onde os bens por ele deixados estão situados.

Se o titular dos bens residia no Brasil à época de seu óbito, o inventário terá como jurisdição o seu último domicílio, ou seja, a justiça brasileira será a competente para processar e julgar o inventário, sendo a via judicial a eleita.

Domiciliado no Brasil, o foro será, mais especificamente o da comarca onde residia o falecido ao tempo da abertura da sucessão.

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro escolheu como fator determinante para se processar o inventário judicial ou extrajudicial o juízo do local onde o falecido era domiciliado, independentemente da situação dos bens.

Se o domicilio do de cujus à época de sua morte estava fixado em país diverso do Brasil, havendo deixado bens em território brasileiro, a justiça brasileira deverá acompanhar o inventário, mesmo que consultando a legislação estrangeira.

Isto porque a jurisdição para processar e julgar inventários e partilhas de bens localizados em território nacional é exclusiva da autoridade brasileira. Mas nem sempre a lei brasileira será aplicada.

Temos então definido o foro onde será processado o inventário e a partilha. Quanto à lei a ser aplicada, poderá o juízo brasileiro aplicar a legislação pátria de direito das sucessões sobre os bens que estão no estrangeiro?

Não. Há inúmeros casos de pessoas que, apesar de residirem no Brasil, adquirem patrimônio no exterior. Nesta circunstância, o inventário será processado no Brasil em relação aos bens dispostos em território nacional de acordo com a lei brasileira e, quanto aos bens internacionais, dependerão de outros inventários feitos no estrangeiro.

Sim, estamos falando da necessidade de instauração de mais de um processo de inventário. O que não ocorre em outros países que admitiram a unicidade de juízo sucessório.

Mesmo que o país onde estejam os bens admita que a jurisdição para a sucessão seja a do domicílio do de cujus, permita que haja um único inventário a ser processado no país onde residia o falecido, isso não ocorrerá.

Isto porque a legislação do Brasil ainda exige que a jurisdição para acompanhamento de inventários e partilhas de bens situados em território brasileiro seja exclusivamente a brasileira.

Esta exclusividade também ocorre em via reversa.

Significa que a justiça brasileira também não irá alcançar bens localizados em outros países quando o domicílio da sucessão estiver definido em território nacional, vez que o de cujus tinha o Brasil como domicílio.

O mesmo entendimento recai sobre valores depositados em instituições financeiras estrangeiras, não podendo, ao menos, serem arrolados no inventário para comporem o formal de partilha.

Neste caso, o bem será excluído da sucessão, pois não poderá ser objeto de inventário no juízo brasileiro.

Neste sentido, resta evidente que o inventário de alguém que não residia no Brasil, mas possuía bens em território brasileiro no momento de sua morte, será processado pela justiça brasileira, mas a lei a ser aplicada será a do país de seu último domicílio.

Uma exceção é que, ao processar o inventário, o juízo brasileiro poderá aplicar a legislação brasileira na sucessão de bens deixados no Brasil por pessoa que residia em outro país se, ao falecer, deixou viúva ou filhos brasileiros.

Neste caso, mesmo que o último domicilio do de cujus não tenha sido o Brasil, se a lei brasileira for mais favorável, ou seja, mais benéfica, mais vantajosa aos herdeiros, estes poderão processar o inventário dos bens situados no Brasil com a aplicação da lei brasileira e não, da lei externa.

Concluindo, a jurisdição para sucessões e partilhas de bens situados no Brasil sempre será a brasileira, mas a lei a ser aplicada no caso concreto dependerá do último domicílio do falecido.

Se residia no Brasil, a lei brasileira será aplicada sobre os bens situados em território nacional. Sobre os bens estrangeiros, deverão ser promovidos processos de inventários distintos no país de sua respectiva localidade.

Se não residia no Brasil e deixou bens em território brasileiro, o inventário deverá ser processado no Brasil, porém a lei estrangeira será a aplicada no caso concreto. Se não domiciliava no Brasil, nem possuía bens em território brasileiro, não há que se falar em jurisdição ou legislação brasileira.

Ressalta-se que a abrangência da lei estrangeira sobre os inventários e partilhas de bens dispostos em território nacional é limitada.

Se o tribunal entender que a aplicação da lei estrangeira pode ofender a soberania nacional, agredir a ordem pública ou for contrária os bons costumes brasileiros, deverá inadmitir sua aplicação.

Lana Castelões é advogada familiarista, professora e ex-conselheira seccional da OAB/GO triênio (2019-2021).

Fonte: Conjur

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