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Por Yan Viegas da Silva e Fernanda Magni Berthier

O Código de Processo Civil, em seu artigo 784, traz um rol de documentos considerados como títulos executivos extrajudiciais que permitem a tutela jurisdicional direta mediante o procedimento de execução, dispensando a necessidade de um processo de conhecimento que afirme a existência de um direito subjetivo. Nesse sentido, é vantajoso ao credor que sua dívida seja qualificada como título executivo extrajudicial para que, conforme convenha, possa optar por esse procedimento.

Dentre os títulos executivos extrajudiciais, a hipótese prevista no inciso III, de “documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas“, é bastante utilizada na prática negocial. A presença de testemunhas na assinatura do documento, por sua vez, tem por objetivo, idealmente, garantir que a manifestação de vontade das partes tenha ocorrido de forma livre e espontânea [1].

Entretanto, em muitos os casos, já é possível verificar uma flexibilização da jurisprudência pátria em relação à validade de documentos subscritos pelas testemunhas após a assinatura das partes. Exemplificativamente, destaca-se a atual e pacífica posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “o fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial, sendo as testemunhas meramente instrumentárias” [2], bem como o entendimento de que “a lei não exige que a assinatura das testemunhas seja contemporânea à do devedor” [3].

Nas últimas décadas, com o advento de novas tecnologias, criou-se uma importante ferramenta no contexto dinâmico de negociações: os contratos firmados em meio eletrônico. Tal ferramenta surge como alternativa às partes que, por inúmeras questões, não possam se encontrar presencialmente. Sobretudo no contexto da pandemia de Covid-19, esses contratos ganharam mais força em decorrência das limitações ao deslocamento. 

Embora a assinatura digital e a validade de documentos eletrônicos sejam temas já abordados pela legislação pátria desde o início do século 21, com a MP 2.200-2/2001, responsável por instituir a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, popularizada como ICP-Brasil, e a Lei 12.682/2012, o destaque merecido a essas normas surgiu em um contexto, infelizmente, pandêmico. Mais recentemente, a Lei 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, inclusive previu que os documentos arquivados por meio eletrônico estariam equiparados aos documentos físicos para todos os efeitos, quando o arquivamento for realizado de acordo com o disposto na lei.

A assinatura digital com certificação se presta, portanto, a substituir, no meio eletrônico, a assinatura de próprio punho, com garantia de autenticidade e inalteridade, de forma a trazer segurança jurídica aos negócios virtuais [4]. Nesse ponto, relevante o papel das empresas certificadoras, que atuam a partir da disponibilização de documentos para assinatura digital e da utilização de pontos de autenticação para controlar fraudes e provar a veracidade das assinaturas. 

A partir dessa lógica, seria desnecessária a presença de testemunhas em documentos assinados digitalmente, já que seria possível que as assinaturas tivessem sua idoneidade comprovada por outros meios. De todo modo, ainda paira na doutrina e jurisprudência pátria o questionamento referente à dispensa ou não de testemunhas nos contratos contendo assinaturas digitais, bem como se estes configurariam título executivo extrajudicial no caso de não serem firmados por duas testemunhas. 

O Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de examinar a matéria quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920, em que se discutiu a executividade de um contrato eletrônico de mútuo assinado digitalmente pelas partes sem a assinatura de duas testemunhas. No caso, o julgamento foi favorável à executividade do título, tendo em vista a possibilidade de verificação de sua autenticidade por outros meios, que não as testemunhas.

Conforme evidenciado pelo relator, a partir da aferição das assinaturas das partes pela autoridade certificadora, torna-se desnecessária a assinatura das testemunhas. Ainda, é prudente a análise concreta dos casos, a fim de “verificar se é possível atestar que a celebração ocorreu nos termos, na forma e no momento em que o instrumento contratual indica” [5]. Como consequência, “o estabelecimento da necessidade de conterem a assinatura de duas testemunhas para que sejam considerados executivos, dificultaria, por deveras, a sua satisfação” [6].

Tal entendimento, apesar de muito compatível com o contexto de negócios vivenciado na atualidade, foi firmado em julgamento de recurso não repetitivo, de forma que não é vinculante às cortes estaduais. De fato, a partir de uma análise de julgados, ficou evidenciado que, mesmo após a decisão do STJ, há divergências quanto à exigência de testemunhas para configuração de título executivo extrajudicial [7]. 

Dessa forma, ao menos enquanto não há uma jurisprudência pacífica sobre o tema, o adequado é que os contratos eletrônicos continuem sendo celebrados com duas testemunhas. Tal medida, além de simples, mitiga o risco do credor na medida em que lhe concede um título executivo extrajudicial, ampliando o número de procedimentos disponíveis na defesa de seus interesses e facultando ao credor a utilização daquele que entender mais adequado.

Referências

[1] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Curso de direito processual civil: execução, processos nos tribunais e meios de impugnação das decisões. v. 3. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 31. 

[2] STJ. REsp 541.267. Relator ministro Jorge Scartezzini. Quarta Turma. Julgado em 20.05.2005.

[3] STJ. REsp 8.849. Relator ministro Nilson Naves. Terceira Turma. Julgado em 28 .05.1991.

[4] KLEE, Antônia Espíndola Longini. Comércio Eletrônico. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

[5] MENKE, Fabiano. A Forma dos Contratos Eletrônicos. Revista de Direito Civil Contemporâneo, vol. 26, jan-mar/2021, pp. 85-113.

[6] STJ. REsp 1.495.920. Relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Julgado em 15/05/2018.

[7] Aqui, merecem destaque o julgamento da Apelação Cível Nº 0046876-13.2018.8.25.0001, pelo TJ-SE, e dos Embargos de Declaração Cível Nº 0734491-56.2019.8.07.0001, pelo TJ-DF, que negaram a executividade. Já em sentido contrato, nas decisões das Apelações Cíveis Nº 10000190426403001 e 2011271-06.2022.8.26.0000, respectivamente, pelo TJ-MG e pelo TJ-SP, foi reconhecida essa executividade.  

Autores:

Yan Viegas da Silva é sócio da área de Direito Societário e Contratos do escritório Silveiro Advogados.

Fernanda Magni Berthier é acadêmica de Direito da UFRGS e estagiária de Silveiro Advogados.

Fonte: ConJur

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