O Projeto de Lei 4.188/21, denominado novo Marco Legal de Garantias, tramita na Câmara dos Deputados. A proposta, como já se sabe, consiste em uma estratégia de curto e longo prazo do Ministério da Economia para dinamizar o mercado financeiro, facilitando a obtenção de créditos com taxas reduzidas mediante prestação de garantias.
Uma das grandes mudanças introduzida pelo projeto é a criação do serviço de gestão especializada de garantias, reais ou pessoais. O serviço será realizado pelas Instituições Gestoras de Garantias (IGG), pessoas jurídicas de direito privado regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional e cujo funcionamento é autorizado e supervisionado pelo Banco Central.
A expectativa do governo federal é que, com a separação da atividade de gestão das garantias, os custos operacionais passem à responsabilidade das IGGs. Uma vez contratadas para esse fim, essas instituições atuarão em nome próprio com “poder exclusivo de constituir, levar a registro, gerir e pleitear a execução das garantias transferidas para a sua titularidade mediante celebração do contrato de gestão de garantias”. Elas serão proibidas de realizar qualquer atividade típica de instituição financeira.
Nesse sentido, espera-se que as auditorias e análises das viabilidades jurídico-legais dos elementos do ativo de que tratam as garantias migrem dos credores para as IGGs. Naturalmente, inclusive por assumir as responsabilidades pelas avaliações, declarações e garantias, espera-se que as IGGs atuem com destacado critério no exercício de suas funções de análise dos ativos.
Há também espaço para o fomento dos mercados de seguro e resseguros, na medida em que, em última análise, o mercado e, consequentemente, os custos operacionais, se regularão pela avaliação e divisão dos riscos inerentes aos ativos que são objeto das garantias.
Para atuarem, as IGGs precisam firmar um contrato de gestão com o prestador da garantia. O projeto dispõe ainda sobre os requisitos que devem estar previstos em contrato, principalmente: valor máximo de crédito que poderá ser vinculado à garantia, prazo de vigência e tipos de operação expressamente autorizados pelo prestador da garantia, inclusive em favor de terceiros.
Além disso, importante frisar que o contrato deve prever a autorização para que, em caso de inadimplência, a IGG considere vencidas antecipadamente as demais operações vinculadas à garantia, independentemente de aviso ou interpelação judicial, o que permite a execução da totalidade da dívida (cross default).
O projeto ainda prevê, por uma questão de maior segurança jurídica, a separação do patrimônio das IGGs dos direitos correspondentes às garantias dos mutuários, segregando também os frutos e rendimentos, além do eventual produto da execução. A decretação de qualquer regime de recuperação ou dissolução da IGG não prejudicará a efetividade das garantias constituídas.
Outra grande mudança prevista no projeto de lei é a alteração nas regras de garantias, principalmente na execução de bens imóveis. Considerando o objetivo de conferir maior celeridade em caso de inadimplência, foram propostas modificações na Lei 9.514/97, especialmente com relação à execução extrajudicial.
Quanto à alienação fiduciária, a principal inovação do projeto é a possibilidade de um mesmo imóvel garantir mais de uma operação de crédito, permitindo subsequentes graus de garantia fiduciária. No projeto de lei, em seu texto original, estão previstos dois requisitos para a extensão da garantia: que o novo crédito seja concedido pela mesma instituição financeira titular da propriedade fiduciária e que não existam obrigações com outros credores que estejam garantidas pelo mesmo imóvel.
Objetivando uma maior segurança jurídica com relação à possibilidade de múltiplas alienações fiduciárias garantidas pelo mesmo imóvel, o projeto de lei recebeu uma emenda modificativa, apresentada em Plenário em 9 de dezembro de 2021. Em seu texto, a emenda prevê que a alienação fiduciária da propriedade superveniente, adquirida pelo fiduciante, é suscetível de registro no cartório de registro de imóveis desde a data de sua constituição, mas somente se tornará eficaz após o cancelamento da propriedade fiduciária constituída anteriormente.
Outra garantia que recebeu atenção especial do projeto foi a hipoteca, instituto praticamente em desuso no mercado financeiro. A proposta objetiva retomar o prestígio dessa garantia — utilizada em apenas 6% das operações de crédito imobiliário — equiparando-a aos procedimentos mais céleres da alienação fiduciária, com a possibilidade de sua execução extrajudicial, independentemente de previsão contratual.
Uma das principais lacunas que permeiam o tema da execução de garantias, também é abordada no projeto, com a definição do preço considerado vil. A proposta estabelece um critério objetivo: na eventualidade de um leilão público para alienação do imóvel dado em garantia, o valor da arrematação não poderá ser inferior a 50% do valor do bem.
Com relação às novas regras para garantias, são previstas disposições sobre a execução extrajudicial da garantia imobiliária caso haja vários credores. Para tanto, deverão ser realizadas averbações no respectivo cartório de registro de imóveis competente que, em caso de execução, intimará simultaneamente todos os credores concorrentes para habilitarem seus créditos no prazo de 15 dias.
Além das disposições acima, o projeto de lei prevê alterações no Código Civil, incluindo a figura do agente de garantia, responsável por constituir, registrar, gerir e, inclusive, executar a dívida — judicial ou extrajudicialmente. O agente pode ser um dos credores ou qualquer terceiro nomeado por eles. De acordo com o Governo Federal, a medida resultará na “eficiência e profissionalização na gestão, registro e execução das garantias”. Contudo, não fica claro se a figura do agente de garantias se assemelhará à oficialização ou profissionalização da prestação de serviços de gestão nos moldes do que se espera das IGGs.
O projeto também propõe alterações na Lei 8.009/90, que regula a impenhorabilidade do bem de família. Atualmente, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução, salvo para execução de hipoteca sobre imóvel oferecido pelo casal ou pela entidade familiar. A situação atual é alvo de críticas por parte das instituições financeiras, pois a execução do bem fica restrita aos casos em que o imóvel é oferecido pela entidade familiar para constituir uma hipoteca. Com a proposta, a impenhorabilidade não será oponível para execução de imóvel oferecido como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos, mesmo quando a dívida for constituída em favor de terceiros.
Por fim, se o projeto for aprovado, a perspectiva é que a nova dinâmica possibilite outras configurações no mercado com vantagens para o mutuário, que terá acesso a taxas de juros mais baixas e maior crédito, com a redução da subutilização de garantias. Isso possibilitará o acesso de empresas de pequeno porte e famílias ao crédito para investimentos, além da possibilidade de trazer vantagens para as instituições financeiras, com a baixa dos custos relacionados à gestão da garantia, o que permite a mais instituições participarem ativamente do mercado, como fintechs, bancos médios e cooperativas de crédito.
Bruno Costa é sócio da área de Direito Imobiliário do Machado Meyer Advogados.
Gabriela Caetano Andrade é advogada da área de Direito Imobiliário do Machado Meyer Advogados.
Fonte: ConJur