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1. Resumo

A cláusula de compensação pecuniária por tempo de casamento ou de união estável configura uma prefixação de alimentos compensatórios, que possuem natureza jurídica indenizatória.

É cabível cobrança de alimentos compensatórios suplementares no caso de insuficiência, no caso concreto, da prestação prefixada.

A cláusula é devida mesmo fora do regime da separação de bens, vedado, porém, que o ex-consorte credor fique, ao final, com patrimônio superior ao que receberia no regime da comunhão universal. Eventuais alimentos compensatórios adicionais a esse teto é excepcional e devem ser pleiteados judicialmente mediante prova de justa causa.

Não é devida a compensação pecuniária por tempo de relacionamento na hipótese de o ex-consorte devedor ter caído em situação de penúria ou na de o valor pecuniário impor-lhe grave peso patrimonial em virtude de sua decadência financeira ao longo da convivência more uxorio. É nula cláusula em sentido contrário.

2. Introdução

É ou não legítimo estabelecer que o casal adote o regime da separação de bens com uma “compensação pecuniária” a cada determinado tempo de casamento ou de união estável?

Trata-se de cláusula que tem se tornado comum, especialmente em hipóteses em que um dos cônjuges possui vasto patrimônio e não pretende que haja comunicação dele com o outro consorte.

Quanto à data de pagamento, pode-se estabelecer o momento do fim da relação (ex.: separação de fato, divórcio, morte etc.) ou o fim do ciclo temporal estabelecido (ex.: a cada ano). Exemplo: A cada ano de casamento, a esposa terá direito a R$ 10.000,00, a ser pago pelo marido ou por seu espólio quando do fim casamento.

3. Cláusula atípica em pacto antenupcial ou em contrato de convivência

Entendemos que a cláusula de compensação pecuniária por tempo de relacionamento é válida. Cuida-se de um exemplo de cláusula atípica, porque não decorre do Direito de Família.

Essa cláusula que estabelece um valor prefixado de “alimentos compensatórios” versa sobre uma prestação de natureza jurídica indenizatória.

Não se trata de cláusula típica do Direito de Família, porque, nesse âmbito, apenas se admite a escolha de regras de comunicação de bens por meio de regime de bens. Nas precisas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “por regime de bens, entenda-se o conjunto de normas que disciplina a relação jurídico-patrimonial entre os cônjuges, ou, simplesmente, o estatuto patrimonial do casamento”1.

A comunicação de bens envolve a formação de um condomínio de “mãos juntas”, unindo o casal na prosperidade ou na desventura. Assim, se o casal vier a perder o bem por qualquer motivo (ex.: uma excussão judicial), nada haverá a partilhar ao final da relação.

Tudo isso decorre da ideia central do Direito de Família em reconhecer que há um “esforço comum” do casal no crescimento ou na decadência patrimoniais. Com exceção do regime da separação legal de bens em razão de uma construção jurisprudencial com base em princípios jurídicos2, esse “esforço comum” é uma presunção absoluta nos regimes de bens que prevejam a comunicação: não se admite prova em contrário.

De fato, no Direito de Família, há uma solidariedade natural entre os cônjuges, solidariedade essa que envolve verdadeiros serviços prestados sem caráter monetário.

Seria até estranho se o Direito de Família se baseasse na monetarização dessa solidariedade.

Imagine, por exemplo, um casal em que a esposa concentre os trabalhos do lar e da família, ao passo que o marido ficasse livre para investir nas próprias atividades profissionais.

Seria exótico pensar em a esposa monetarizar cada serviço de cuidado prestado, seguindo uma tabela de preços como esta:

R$ 200,00 por qualquer prato de comida elaborado (valor esse que seria acrescido de R$ 100,00 a título de taxa de urgência caso se trate de uma canja de galinha feita ao marido em situação de doença);

  • R$ 3 mil mensais pelos serviços de lavagem de roupa;
  • R$ 1,5 mil mensais pelos serviços de transporte escolar dos filhos;
  • R$ 1,5 mil pelos serviços de gestão administrativa das questões dos filhos;
  • R$ 1 mil diários pelo serviço de “coaching” prestados mediante palavras de ânimo;

Direito de Família não é compatível com essa monetarização de serviços. Ele é baseado na solidariedade familiar. Se alguém pretende contratar prestadores de serviço, cabe-lhe valer-se das figuras do Direito Contratual ou do Direito do Trabalho.

A verdade é que, se fôssemos monetarizar cada conduta de solidariedade familiar, chegaríamos a cifras surreais de dinheiro, ainda mais se levarmos em conta encargos trabalhistas e a natureza bem personalizada do trabalho. A verdade é que não há como monetarizar a solidariedade familiar, porque, como diz o ditado popular, o amor não tem preço.

3. Natureza de “alimentos compensatórios” prefixados

Em suma, a cláusula que, no regime da separação de bens, fixa um valor pecuniário a cada período de tempo de casamento é uma prefixação de “alimentos compensatórios”.

Os alimentos compensatórios são prestação de natureza indenizatória devida ao ex-consorte no final do casamento quando ele vier a ficar em uma situação patrimonial brutalmente inferior ao do outro. Como lembra Flávio Tartuce, os alimentos compensatórios é uma “construção desenvolvida no Brasil por Rolf Madaleno, a partir de estudos do Direito Espanhol e Argentino”3.

Em outro artigo, defendemos que esses alimentos compensatórios também são cabíveis quando o ex-cônjuge tiver sofrido um “apagão profissional” por longo tempo para se dedicar aos trabalhos de cuidado, ainda que sua situação patrimonial não fique brutalmente inferior ao do outro ex-consorte4. Mas esse caso excepcional deve ser visto com muito cautela pelo juiz no caso concreto.

Pense, por exemplo, em um casamento que durou 30 anos, com a mulher se dedicando exclusivamente aos trabalhos de cuidado. Com o divórcio, a mulher fica com um patrimônio de duzentos mil reais. O marido, que, com o apoio familiar, conseguiu passar em um alto concurso público, seguirá com prosperidade remuneratória. Em situação como essa, caso o juiz não fixe pensão alimentícia vitalícia ao ex-cônjuge, o caso é de pensar em uma prestação compensatória adicional para essa mulher que sofreu um brutal apagão profissional. Não importa aí se o casal havia adotado ou não o regime da comunhão universal de bens, pois os alimentos compensatórios servirão como justa compensação pelo “apagão profissional” de um ex-consorte às custas do qual o outro conseguiu alcançar estabilidade profissional.

Quando se estipula um valor pecuniário a ser pago a cada período de tempo de casamento ou de união estável, estamos diante de uma prefixação de alimentos compensatórios, o que é plenamente lícito.

4. Questões adicionais

Três questões, porém, merecem reflexão.

4.1. Teto para a compensação compensatória, compensação “suplementar”, condicionalidade da cláusula

Em primeiro lugar, é ou não cabível a “compensação por tempo de relacionamento” fora do regime da separação de bens?

Entendemos que sim, mas com uma restrição: o ex-consorte, ao final, não poderá ficar com valor superior ao que obteria se tivesse casado no regime da comunhão universal de bens.

Não poderia, por cláusula matrimonial ou convivencial, fixar nenhum tipo de compensação que exceda ao máximo que o Direito de Família admita em matéria de regime de bens.

O único modo de exceder esse teto seria mediante alimentos compensatórios fixados pelo juiz de modo muito excepcional naquela hipótese que já tratamos acima.

4.2. Teto para a compensação compensatória, compensação “suplementar”, condicionalidade da cláusula

Em segundo lugar, o juiz pode ou não fixar alimentos compensatórios suplementares ao que foi prefixado a título de “compensação pecuniária por tempo de relacionamento”?

Entendemos que sim, porque essa cláusula apenas estabelece um valor presumido de compensação, o qual serve como valor mínimo de alimentos compensatórios. Se, no caso concreto, verificar-se a insuficiência desse valor diante da dinâmica adotada ao longo do casamento, o juiz pode fixar alimentos compensatórios suplementares.

Pense em um casamento que durou 30 anos, com a mulher dedicando-se integralmente aos trabalhos de cuidado e com o marido crescendo profissionalmente ao sopro desse suporte familiar.

Suponha que tenha sido estipulado alimentos compensatórios de R$ 10.000,00 por ano, e o regime adotado tenha sido o da separação de bens. Com o divórcio, imagine que o marido tenha ficado com um patrimônio particular de milhões de reais. Não parece adequado que essa mulher apenas fique com R$ 300.000,00 de alimentos compensatórios, especialmente se lhe for negada pensão alimentícia vitalícia. Temos por devido o arbitramento de alimentos compensatórios suplementares aí.

Trata-se de regra de ordem pública, fruto da vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa bem como do princípio da solidariedade familiar.

4.3. Condicionalidade da cláusula

Em terceiro lugar, indaga-se: a compensação pecuniária por tempo de relacionamento é ou não devida na hipótese de o ex-consorte devedor ter caído em situação de penúria ou na de o valor pecuniário vir a impor-lhe grave peso patrimonial em virtude de sua decadência financeira ao longo da convivência more uxorio?

Entendemos que não.

É que, ao casar e adotar o regime da separação de bens com uma cláusula de “compensação pecuniária por tempo de relacionamento”, o consorte milionário pode não ter antevisto que o Infortúnio haveria de cruzar seu futuro, reduzindo-o à escassez. 

Nesse quadro, perguntamos: seria adequado permitir que, com o fim do casamento ou da união estável, o ex-consorte devedor seja mais ainda afundado patrimonialmente com o pagamento da “compensação pecuniária por tempo de relacionamento”?

Entendemos que não.

Os alimentos compensatórios, sejam os prefixados por cláusula, sejam os arbitrados judicialmente, pressupõem que o ex-consorte devedor ficou em situação patrimonial mais vantajosa.

Se o ex-consorte devedor naufragou patrimonialmente, trata-se de azar a ser compartilhado pelo outro.

Afinal de contas, o instituto dos alimentos compensatórios foi desenvolvido como um fator de correção a injustiças causadas pela escolha de um regime de bens que não veio a refletir a realidade assumida na dinâmica do casamento. Os alimentos compensatórios não são uma remuneração por trabalhos prestados. São um fator de correção para compensar o ex-consorte prejudicado com um regime de bens incompatível com a dinâmica assumida pelo núcleo familiar.

5. Advertência final

Cabe uma advertência final.

No geral, tudo quanto foi exposto acima gira em torno de relacionamentos de perfil mais tradicional, em que um dos consortes (geralmente a mulher) assume os trabalhos de cuidado e sofre apagão profissional em prol do outro consorte. Nesses casos, o instituto dos alimentos compensatórios serve como fator de correção para eventual injustiça no caso concreto.

Para os perfis tidos por mais modernos, em que ambos os consortes mantêm autonomia profissional e compartilham ou terceirizam os trabalhos de cuidado, entendemos não ser cabível qualquer tipo de intervenção adicional para a fixação de alimentos compensatórios. Não importa se um dos consortes prosperou financeiramente e outro, não. A desventura profissional do ex-consorte não é atribuível à sua dedicação ao núcleo familiar, e sim à sua própria sorte. Seja como for, mesmo nesses casos, nada impede que os consortes estipulem “compensação pecuniária por tempo de relacionamento” em nome da autonomia privada. Mas, além de não ser cabível quaisquer alimentos compensatórios suplementares, há de respeitar o teto daquilo que o ex-consorte receberia se tivesse adotado o regime da comunhão universal.

Fonte: Migalhas

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