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O CNB/GO, conversou com, Fernando Henrique Magalhães Soares, presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/GO, que explica como o instrumento notarial reforça a prova digital e auxilia vítimas de fraudes online durante o período de maior risco no comércio eletrônico

Com o avanço das compras online e a popularização dos grandes períodos promocionais, como a Black Friday, cresce também o número de consumidores expostos a golpes digitais cada vez mais sofisticados. Sites falsos, ofertas irresistíveis, links maliciosos e tentativas de estelionato passaram a fazer parte da rotina de milhares de brasileiros, que muitas vezes desconhecem as ferramentas jurídicas disponíveis para proteger seus direitos e preservar provas desses crimes. Nesse contexto, a Ata Notarial — instrumento público lavrado por tabeliães de notas — tem ganhado destaque como uma das formas mais seguras e eficazes de registrar evidências digitais de maneira rápida, confiável e com fé pública.

Para entender melhor como essa ferramenta pode auxiliar vítimas de fraudes durante a Black Friday e como ela se consolida como aliada indispensável na luta contra golpes virtuais, o CNB/GO conversou com, Fernando Henrique Magalhães Soares, presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/GO. Ele explica o papel da Ata Notarial no enfrentamento aos crimes digitais, esclarece dúvidas comuns sobre sua validade jurídica e orienta consumidores sobre como agir diante de situações suspeitas, reforçando a importância do amparo jurídico correto para responsabilizar fraudadores e evitar novos prejuízos.

Confira a entrevista na íntegra:

CNB/GO: Neste período de Black Friday, os golpes digitais aumentam muito. Como o senhor avalia o cenário atual de fraudes online e quais são os golpes mais comuns observados nessa época?

Fernando Henrique Magalhães: O período da Black Friday infelizmente intensifica o cenário de fraudes online. Eu avalio a situação como de alto risco, dada a combinação de um grande volume de transações e a pressão psicológica sobre o consumidor para aproveitar “ofertas imperdíveis”.

Os golpes mais comuns observados nesta época incluem:

  1. Phishing e Smishing: Envio de e-mails ou mensagens (SMS/WhatsApp) com links falsos que simulam sites de grandes lojas ou bancos, visando roubar dados pessoais e de cartão.
  2. Sites Falsos (Fake Sites): Criação de lojas virtuais idênticas às originais, mas com endereços levemente alterados (domínios clonados), que vendem produtos inexistentes ou nunca os entregam.
  3. Ofertas Irresistíveis Falsas: Anúncios em redes sociais ou buscadores com preços irreais para chamar a atenção e direcionar o consumidor a sites fraudulentos.
  4. Golpe do Pix Falso: Fraudes onde o criminoso intercepta a comunicação e altera o código Pix para que o pagamento vá para a conta dele, e não do lojista legítimo.
  5. Fraude do Falso Suporte/Atendimento: Criminosos se passando por funcionários do SAC de lojas ou operadoras para solicitar dados ou acesso remoto.

CNB/GO: Para quem ainda não conhece, o que é a Ata Notarial e qual a sua validade jurídica diante de golpes digitais?

Fernando Henrique Magalhães: A Ata Notarial é um instrumento público lavrado por um tabelião de notas, a pedido de uma pessoa interessada, no qual ele testifica fatos, coisas, pessoas ou situações que presenciou, ouviu ou verificou. O tabelião narra, de forma imparcial, o que viu.

Validade Jurídica: De acordo com o artigo 384 do Código de Processo Civil (CPC), a Ata Notarial é considerada prova pré-constituída e possui fé pública. Isso significa que o que está registrado nela é presumido como verdadeiro, transferindo o ônus da prova para quem deseja contestá-la. É uma prova extremamente forte e robusta para ser utilizada em juízo contra golpes digitais.

CNB/GO: De que forma a Ata Notarial pode ser usada para registrar uma oferta falsa, um site fraudulento ou uma tentativa de estelionato durante a Black Friday?

Fernando Henrique Magalhães: A Ata Notarial é utilizada para eternizar a prova de um fato digital antes que ele desapareça, como é comum em fraudes online.

  1. Registro de Oferta Falsa: O consumidor pode ir ao cartório (ou usar o serviço online) e pedir para o tabelião acessar e navegar na página da oferta falsa, registrando o URL (endereço eletrônico), a imagem do produto, o preço e as condições de pagamento que configuram o anúncio enganoso.
  2. Site Fraudulento: O tabelião acessa o site clonado ou fraudulento, registra o domínio, a aparência da página, os dados de contato falsos e qualquer elemento que demonstre a intenção de fraude.
  3. Tentativa de Estelionato: O tabelião registra a conversa em aplicativos (WhatsApp, Telegram), e-mails ou redes sociais, onde o estelionatário tenta persuadir a vítima a realizar a transferência ou fornecer dados. O registro de cada tela e a data/hora exata confere a fé pública àquela prova.

CNB/GO: Quais elementos o tabelião registra na Ata Notarial em casos de golpes virtuais — prints, links, conversas, movimentações suspeitas?

Fernando Henrique Magalhães: Em casos de golpes virtuais, o tabelião registra todos os elementos que formam a materialidade da fraude. Os principais são:

ElementoDescrição do Registro
Endereço Eletrônico (URL)O tabelião acessa o link e registra a URL completa para comprovar a origem.
Conteúdo Visual (Prints)Captura da tela do site, anúncio, e-mail ou conversa, atestando o conteúdo exibido.
Metadados e HorárioRegistro da data e hora exata do acesso, informações do sistema operacional e navegador utilizados.
Conversas e MensagensRegistro da íntegra de diálogos em aplicativos, e-mails ou redes sociais, identificando os participantes (números, perfis, etc.).
Movimentações SuspeitasSe o golpe envolve transação bancária, registra-se a tela do comprovante, dados do recebedor (quando disponíveis) e o histórico da transação.
Vídeos e ÁudiosO tabelião pode transcrever o conteúdo de áudios ou vídeos recebidos, ou atestar o seu teor.

CNB/GO: Quando a vítima percebe um golpe, qual deve ser o primeiro passo e em que momento a Ata Notarial entra como ferramenta de proteção?

Fernando Henrique Magalhães: Quando a vítima percebe o golpe, o primeiro passo deve ser preservar todas as evidências digitais e registrar um Boletim de Ocorrência (B.O.) online ou em delegacia. A Ata Notarial entra como ferramenta de proteção imediatamente após a descoberta do golpe.

  1. Preservação Urgente: O criminoso pode apagar o site, o anúncio ou o perfil a qualquer momento. O consumidor deve buscar o tabelionato o mais rápido possível para que o tabelião registre o fato in loco (no momento em que ele está acessível).
  2. Robustez da Prova: A Ata Notarial transforma a prova digital (que é volátil) em um documento público, indiscutível em sua forma. Ela é a base probatória que dará sustentação à queixa policial e, posteriormente, ao processo judicial.

CNB/GO: A Ata Notarial facilita ou acelera o trabalho da polícia e do Judiciário quando a vítima decide buscar reparação? Como?

Fernando Henrique Magalhães: Sim, a Ata Notarial facilita e acelera o trabalho da polícia e do Judiciário de maneira significativa.

Para a Polícia: A fé pública da Ata antecipa a fase de perícia técnica sobre a prova digital. O inquérito policial (que apura o crime) pode ser instaurado com a prova já robusta e pronta, focando diretamente na identificação do criminoso, em vez de gastar tempo e recursos para comprovar que o site ou a conversa existiu da forma alegada pela vítima.

Para o Judiciário: No processo cível (para buscar a reparação do dano), a Ata Notarial confere credibilidade máxima ao relato da vítima. Isso reduz a necessidade de dilação probatória (como produção de perícias complexas) e agiliza a análise do mérito pelo juiz, tornando a busca pela reparação do dano mais eficiente. A jurisprudência reconhece seu valor probatório.

CNB/GO: A Ata Notarial pode ser essencial também quando a fraude não chega a se consumar, mas existe a tentativa?

Fernando Henrique Magalhães: Sim, a Ata Notarial é essencial também quando a fraude não chega a se consumar. O registro da tentativa é fundamental porque:

  1. Provas de Má-Fé: Documenta a intenção dolosa do agente, servindo como prova da tentativa de estelionato (crime previsto no Código Penal, mesmo que não consumado).
  2. Prevenção para Terceiros: Ao registrar uma tentativa, o consumidor não só se defende, mas também gera uma prova que pode ser usada para alertar outras vítimas ou integrar processos coletivos.
  3. Responsabilização: Em ações contra plataformas (redes sociais, marketplaces) que permitiram o anúncio ou perfil falso, a Ata prova que a plataforma foi usada para fins ilícitos, fundamentando o pedido de responsabilização e remoção do conteúdo.

CNB/GO: O senhor acredita que o desconhecimento sobre a Ata Notarial faz com que mais pessoas deixem de registrar corretamente a prova de um golpe?

Fernando Henrique Magalhães: Sim, eu acredito que o desconhecimento generalizado sobre a Ata Notarial faz com que a grande maioria das pessoas deixe de registrar corretamente a prova de um golpe.

O consumidor médio não sabe que um simples print de tela não possui o mesmo valor probatório de um documento com fé pública. Sem a Ata Notarial, o criminoso tem tempo de apagar o rastro, e a vítima muitas vezes se vê com uma prova frágil que será facilmente contestada na Justiça, levando ao arquivamento do B.O. ou a uma derrota judicial. A simplicidade e a segurança jurídica que ela oferece ainda são pouco divulgadas.

CNB/GO: Quais orientações o senhor daria ao consumidor para identificar ofertas suspeitas e evitar cair em golpes durante a Black Friday?

Fernando Henrique Magalhães: Para identificar ofertas suspeitas e evitar cair em golpes, o consumidor deve:

  1. Verificar a URL (Endereço): Antes de clicar, passe o mouse sobre o link e confira se o endereço eletrônico é o oficial da loja (Ex: nomedaloja.com.br). Desconfie de domínios com erros de grafia ou extensões estranhas (.net,. online, etc.).
  2. Pesquisar a Reputação: Use sites como o Reclame Aqui e a ferramenta Consumidor.gov.br para verificar se a loja tem histórico de reclamações não resolvidas.
  3. Desconfiar de Preços Mágicos: Se a oferta for drasticamente menor que a média do mercado, é quase certo que é um golpe. Não existe milagre em Black Friday.
  4. Usar o App Oficial: Evite clicar em links de e-mail ou SMS. Para comprar, digite o endereço da loja diretamente no navegador ou utilize o aplicativo oficial da loja.
  5. Observar Meios de Pagamento: Sites confiáveis oferecem diversas opções. Desconfie de lojas que aceitam apenas Pix e/ou não oferecem o pagamento via cartão de crédito ou boleto bancário (que dão rastreabilidade e meios de estorno).

CNB/GO: A OAB-GO, através da CDNR, tem observado aumento na busca de orientações sobre crimes digitais em períodos como a Black Friday?

Fernando Henrique Magalhães: Sim, a CDNR tem observado de forma gradual um aumento significativo, em vista de anos anteriores, na busca por orientações sobre crimes digitais e a fragilidade das provas, especialmente em períodos de pico como a Black Friday e o Natal. Porém, acreditamos que esse número pode ser maior e que a tendência é que a procura por esse serviço aumente nos próximos anos.

O volume de consultas está diretamente ligado ao aumento das transações online e, consequentemente, ao crescimento das tentativas de fraude.

A Comissão tem trabalhado cada vez mais a divulgação do uso dessa ferramenta para que se popularize ainda mais e, com isso, tenhamos mais adeptos dessa ferramenta tão importante.

CNB/GO: Existe algum tipo de recomendação ou proposta da Comissão para fortalecer a divulgação da Ata Notarial como ferramenta de defesa do consumidor?

Fernando Henrique Magalhães: A recomendação ou proposta da Comissão para fortalecer a divulgação da Ata Notarial passa por algumas frentes:

  1. Campanhas de Conscientização: Promover campanhas informativas, onde procura buscar parcerias com Cartórios e Procons, utilizando mídias sociais e palestras para educar o consumidor sobre o poder da fé pública na prova digital.
  2. Capacitação de Advogados: Realizar eventos de capacitação para que os advogados do Estado de Goiás compreendam a utilidade da Ata Notarial e a recomendem proativamente aos seus clientes, tornando-a uma praxe na abertura de inquéritos e processos.
  3. Simplificação do Acesso: Trabalhar em conjunto com os notários para facilitar o acesso à Ata Notarial online (e-Notariado), garantindo que o consumidor possa registrar a fraude de forma rápida, sem precisar se deslocar fisicamente.

CNB/GO: Para finalizar: qual mensagem o senhor deixa para os consumidores neste período, sobre prevenção e a importância de buscar o amparo jurídico correto após uma fraude?

Fernando Henrique Magalhães: Minha mensagem final aos consumidores é dupla:

Prevenção é o Melhor Negócio: Não se deixe levar pela pressão da “oferta final”. Suspeite, verifique o URL e pesquise a reputação antes de finalizar a compra. Lembre-se, se a oferta é boa demais para ser verdade, ela provavelmente é falsa.

Busque o Amparo Jurídico Correto: Se, apesar de toda a cautela, você for vítima de uma fraude, não perca tempo. O primeiro passo é registrar o B.O., mas o passo mais decisivo é IMEDIATAMENTE procurar um Tabelionato de Notas para lavrar a Ata Notarial. É este documento com fé pública que dará a base sólida para reverter a situação, responsabilizar o fraudador e buscar a reparação integral do dano no Judiciário. A Ata Notarial é o seu escudo legal contra a volatilidade do crime digital.

Por Camila Braunas, Assessora de Comunicação do CNB/GO.

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