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Decidiu o Supremo Tribunal Federal, quando da análise de julgamento representativo de controvérsia, reconhecer a possibilidade de escolha do regime de bens para o casamento de pessoas maiores de 70 anos, consagrando esta visão no Tema 1.236:

“nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública”.

Não houve, como possivelmente preconizado por vozes do nosso pensamento jurídico [1], o reconhecimento da inconstitucionalidade deste regime, mas sim apenas a consideração de que não dar ao idoso a liberdade de escolha é tratá-lo de forma paternalista e discriminatória. Por outro lado, passamos a conviver com um cenário no qual três questões diferentes se delineiam.

Primeira reflexão

A mais evidente é a possibilidade jurídica de um regime que só existe, como eleição, para maiores de 70 anos. Existe ainda a separação obrigatória verdadeiramente obrigatória, para aqueles que não concluírem uma partilha de união anterior (artigo 1.641, I, CC).

Para os idosos a separação obrigatória, como regime, não tem mais essa característica, todavia resistindo como regime supletivo da vontade. Se não for feito pacto ante ou pós-nupcial, ou ainda escritura de união estável prevendo regime de bens distinto, o regime da separação obrigatória será o aplicável. Poderá o idoso escolher, no entanto, os outros regimes legais (comunhão parcial e universal, separação convencional e participação final nos aquestos), ou eleger um regime misto com características únicas (participação progressiva, bens que não entram na comunhão, etc).

Faz sentido um regime de menos comprometimento patrimonial apenas para os idosos? Entendemos que sim, visto que este grupo pode, legitimamente, optar por um desenho familiar de menos comprometimento patrimonial, mormente o fato de que muitos ao final da vida já adiantaram a sua sucessão e fizeram um desenho de planejamento sucessório.

Consiste em discriminação positiva reconhecer ao idoso o direito de casar de forma mais existencial, sem constituir novos herdeiros e preservando o que já havia determinado para sua sucessão.

Quando do julgamento do REs 646.721 e 878.694, o mesmo ministro relator equiparou a união estável ao casamento sem que houvesse a possibilidade de se optar por um regime com menos direitos sucessórios para o companheiro. Os casos são distintos, pois há sim motivos para justificar a discriminação positiva do idoso, mas não no estado atual do pensamento jurídico, para admitir no Direito brasileiro um tratamento menos protetivo para o companheiro [2].

Possibilidade de revisão do regime de bens

A segunda reflexão diz respeito a dar publicidade adequada a via aberta para que os idosos revejam, se assim quiserem, o regime de bens que regulamenta sua união. Caso sejam casados na separação obrigatória, poderão alterar o regime de bens, mediante decisão judicial e lavratura de pacto pós-nupcial, no qual detalharão o conteúdo do regime escolhido no pedido de alteração.

Não poderá haver divergência substancial entre o que vier a ser pedido em ação com este objetivo e o pacto, mas este poderá conter detalhes e exceções. Também será necessário informar que, salvo se eleito o regime da comunhão universal, os efeitos da eleição de regime não irão retroagir.

Súmula 377 e a separação obrigatória

Uma terceira reflexão diz respeito ao fato de que o regime da separação obrigatória é ele mesmo alvo de uma substancial incompreensão, fruto da aplicação indistinta da Súmula 377 do STF, que propõe uma comunicação de bens adquiridos na constância do casamento no regime da separação obrigatória. Tal súmula, cujo conteúdo contraria completamente a natureza das regras do regime de separação previstas no Código Civil, já teve a sua aplicação retificada em julgamento da 2ª Sessão do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a impossibilidade de presunção de contribuição para a formação de um suposto patrimônio em sociedade de fato [3].

O fato desta decisão não ser suficientemente conhecida é preocupante, e diante de tantos casos de aplicação da aludida súmula, sem que seja feita a ponderação determinada pelo tribunal atualmente competente para julgar a matéria relativa à Direito Civil, pode servir de desestímulo ao uso do regime. De que serve eleger um regime da separação que não separa? Por outro lado, o regime da separação convencional separa aquestos, mas não retira do cônjuge a condição de herdeiro, não sendo possível ainda um “regime com o melhor dos mundos”. O momento atual, de reforma do Código Civil, pode ser aproveitado para o debate desses regimes e sua adequação.

Estas são três reflexões iniciais, passada uma semana da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. O tempo permitirá que novas questões surjam, e seja possível aperfeiçoamento tanto do entendimento quanto da aplicação da decisão proferida no Tema 1.236.

[1] DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias, 6ª Ed, São Paulo: RT, 2010, p. 65.

[2] Conquanto seja bastante sólida a argumentação de MORAES, Maria Celina Bodin e MULTEDO, Renata Vilela, em A Privatização do Casamento, em civilistica.com, v. 5, n. 2, p. 1-21, 29 dez. 2016.

[3] EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO CONTRAÍDO SOB CAUSA SUSPENSIVA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. MODERNA COMPREENSÃO DA SÚMULA 377/STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. 3. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça. 4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial. (EREsp n. 1.623.858/MG, relator Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Segunda Seção, julgado em 23/5/2018, DJe de 30/5/2018.)

Fonte: ConJur

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