O presente ensaio tem por finalidade empreender uma breve interpretação crítica ao que restou decidido pela Suprema Corte e pelo Superior Tribunal de Justiça no caso de relacionamentos amorosos paralelos ou simultâneos.
Antes de mais nada, cumpre destacar que a existência de relacionamentos amorosos não pressupõe automática existência de uniões estáveis, até porque estas últimas dependem de reconhecimento judicial ou extrajudicial (em cartório e por escritura pública, diga-se).
Os relacionamentos amorosos entre pessoas dependem de suas vontades, apenas de circunstâncias fáticas; já a efetiva migração destes para uniões estáveis depende da chancela do Poder Judiciário ou da fé pública do serviço cartorário.
O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar dilema existente em nossa sociedade, trouxe questões de suma importância ao escorreito entendimento da temática por intermédio da fixação do Tema 529 (leading case RE 1045273).
Ao analisar a temática, a Corte Suprema, em linhas gerais, firmou o posicionamento no sentido de que a “preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”. Ressalte-se que o núcleo duro ou a base da referida decisão parte da ideia do dever de fidelidade e de que a nossa sociedade é “monogâmica”.
A primeira premissa abstraída do mencionado julgado é aquela inerente ao aspecto temporal de “preexistência”.
Então, caso existam dois relacionamentos amorosos ao mesmo tempo (simultâneos, coincidentes, paralelos), o que “existir primeiro” há de ser reconhecido pelo Poder Judiciário?
O STF, ao mencionar a preexistência, o fez com raciocínio, segundo pensamos, de que antes haveria “uma união estável ou casamento”, dito de outra maneira, por exemplo, uma união estável já reconhecida em juízo ou via cartório anterior àquela paralela.
Eis o conteúdo da decisão proferida pela Corte Suprema:
“(…) 3. É vedado o reconhecimento de uma segunda união estável, independentemente de ser hétero ou homoafetiva, quando demonstrada a existência de uma primeira união estável, juridicamente reconhecida. Em que pesem os avanços na dinâmica e na forma do tratamento dispensado aos mais matizados núcleos familiares, movidos pelo afeto, pela compreensão das diferenças, respeito mútuo, busca da felicidade e liberdade individual de cada qual dos membros, entre outros predicados, que regem inclusive os que vivem sob a égide do casamento e da união estável, subsistem em nosso ordenamento jurídico constitucional os ideais monogâmicos, para o reconhecimento do casamento e da união estável, sendo, inclusive, previsto como deveres aos cônjuges, com substrato no regime monogâmico, a exigência de fidelidade recíproca durante o pacto nupcial (art. 1.566, I, do Código Civil). 4. A existência de uma declaração judicial de existência de união estável é, por si só, óbice ao reconhecimento de uma outra união paralelamente estabelecida por um dos companheiros durante o mesmo período, uma vez que o artigo 226, § 3º, da Constituição se esteia no princípio de exclusividade ou de monogamia, como requisito para o reconhecimento jurídico desse tipo de relação afetiva inserta no mosaico familiar atual, independentemente de se tratar de relacionamentos hétero ou homoafetivos. (…)”
Um recorte importante: a preexistência referida pela Corte Suprema se dirige aos relacionamentos amorosos que tenham sido reconhecidos (já reconhecidos), portanto, uniões estáveis ou casamentos preexistentes.
Aliás, se dois relacionamentos amorosos concomitantes (simultâneos — paralelos) estão sendo discutidos em juízo para o reconhecimento de um deles como união estável, a preexistência depende da migração anterior de um deles ao status de união estável. Dito de outra maneira: a proibição ao reconhecimento de uma segunda união estável depende da preexistência formal de outra união estável, e não de um relacionamento amoroso anterior.
Nestes casos, a preexistência, a nosso ver, está condicionada ao reconhecimento formal anterior (via judicial ou cartório) de um dos relacionamentos amorosos.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu restritivamente, ou seja, pela proibição de uniões estáveis paralelas (simultâneas), mesmo se anterior alguma delas.
Na ocasião, quando do julgamento do REsp 1916031/MG, a ministra Nancy Andrigui afirmou que “é inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, na medida em que aquela pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, ao menos, a existência de separação de fato”.
A conclusão a que se chega, por intermédio de uma análise das decisões proferidas pelos tribunais superiores, é ser proibido o reconhecimento judicial de dois relacionamentos amorosos simultâneos, caso um deles já tenha sido reconhecido judicial ou extrajudicialmente, e, portanto, já qualificado anteriormente como “união estável” ou “casamento”.
Simples: se dois relacionamentos amorosos simultâneos (paralelos) estão em juízo para o seu reconhecimento (judicialização da simultaneidade), caso inexista a “preexistência formal”, nenhum deles deverá ser reconhecido, sob pena de caracterização da “poligamia” vedada pela Corte Suprema e óbices impostos (impedimentos) pelo próprio ordenamento jurídico.
Fonte: ConJur