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Por Flávio Tartuce 

Conforme texto publicado neste canal, em janeiro de 2020, havia grande polêmica, no âmbito da atual composição do Superior Tribunal de Justiça, a respeito do início do prazo de prescrição para a ação de petição de herança, quando cumulada com a investigação de paternidade, ou seja, quanto ao seu termo a quo (TARTUCE, Flávio. O início do prazo para a ação de petição de herança – polêmica. Migalhas, 29 jan. 2020. Disponível aqui).

Como é notório, essa demanda foi tratada pelo Código Civil de 2002, entre os seus arts. 1.824 e 1.828, sendo a ação que visa a incluir alguém na herança, mesmo após a divisão dos bens que a compõem. Nas lições de José Fernando Simão, trata-se da “ação judicial que tem por objetivo garantir ao herdeiro que não recebeu seu quinhão hereditário que o receba” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 1569).

No que concerne ao prazo, assunto principal deste texto, a antiga Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal, do remoto ano de 1963, estabelece que “é imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. O fundamento da prescrição para esses casos está relacionado ao fato de a herança envolver direitos subjetivos e pretensões de cunho patrimonial, que são submetidos a prazos prescricionais. Ademais, tem amparo na certeza das relações jurídicas e na segurança jurídica, sempre associadas ao instituto.

Apesar das minhas resistências, o entendimento sumulado é considerado majoritário e praticamente consolidado na prática. Nesse contexto, na vigência do Código Civil de 1916, a ação de petição de herança estaria sujeita ao prazo geral de prescrição, que era de vinte anos, conforme o seu art. 177. Na vigência do Código Civil de 2002, incide o prazo geral de dez anos, do seu art. 205 (veja-se, por todos: STJ, REsp 1.368.677/MG, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 05/12/2017, DJe 15/02/2018; e Ag. Rg. no Ag. 1.247.622/SP, Relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 05/08/2010, DJe de 16/08/2010).

A grande divergência no âmbito da jurisprudência dizia respeito justamente ao início desse prazo de prescrição, o seu termo a quo, existindo duas vertentes de interpretação, uma clássica e uma contemporânea, em especial para as hipóteses de cumulação da petição de herança com a ação de investigação de paternidade.

Pela visão clássica, vinha-se julgando havia tempos que o prazo de prescrição tem início da abertura da sucessão, como regra, que se dá pela morte daquele de quem se busca a herança. No Supremo Tribunal Federal essa conclusão consta de julgados desde a década de setenta, caso dos seguintes: Recurso Extraordinário n. 71.088, Relator Ministro Thompson Flores, Segunda Turma, julgado em 06/08/1972, publicação em 17/09/1971; Recurso Extraordinário n. 74.100, Relator Ministro Antonio Neder, Segunda Turma, julgado em 21/08/1972, publicação em 22/09/1972; e Recurso Extraordinário n. 74.100/SE, Relator Ministro Eloy da Rocha, Tribunal Pleno,  julgado em outubro de 1973.

Essa orientação era igualmente aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, em composições anteriores, até mesmo de forma consolidada, sendo pertinente destacar o seguinte acórdão, entre os mais antigos:

“CIVIL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, CUMULADA COM PEDIDO DE HERANÇA – PRESCRIÇÃO – SÚMULA N. 149, DO STF – ARTIGOS 5., I; 169, I; 177; E 1.572, DO CC. I – O PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA FLUI A PARTIR DA ABERTURA DA SUCESSÃO DO PRETENDIDO PAI, EIS QUE É ELA O FATO GERADOR; O MOMENTO EM QUE O AUTOR COMPLETA DEZESSEIS ANOS DE IDADE É O LIMITE DA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PREVISTA NO ART. 169, I, DO CÓDIGO CIVIL, POR FORÇA DO DISPOSTO NO ART. 5.,  I, DO MESMO DIPLOMA LEGAL. II – CONSOANTE ENTENDIMENTO AFIRMADO PELA DOUTRINA, ‘SE O TITULAR DO DIREITO DEIXA DE EXERCER A AÇÃO, REVELANDO DESSE MODO SEU DESINTERESSE, NÃO MERECE PROTEÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO’. III – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO” (STJ, REsp 17.556/MG, Relator Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 17/11/1992, DJ de 17/12/1992, p. 24242).

Entretanto, houve uma mudança a respeito do início do prazo na Corte Superior, em sua atual composição, repise-se, para as situações em que a citada demanda está cumulada com a ação de investigação de paternidade. Assim, a partir de 2016 começaram a surgir arestos concluindo que o prazo teria início do trânsito em julgado da sentença da decisão que reconhece o vínculo parental, sendo essa a vertente que pode ser denominada como contemporânea.

Como primeiro desses julgados, colaciono o decisum que foi publicado no Informativo n. 583 do STJ, de Relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, segundo o qual, “na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário. A petição de herança, objeto dos arts. 1.824 a 1.828 do CC, é ação a ser proposta por herdeiro para o reconhecimento de direito sucessório ou a restituição da universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não participou. Trata-se de ação fundamental para que um herdeiro preterido possa reivindicar a totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida em desfavor do detentor da herança, de modo que seja promovida nova partilha dos bens. A teor do que dispõe o art. 189 do CC, a fluência do prazo prescricional, mais propriamente no tocante ao direito de ação, somente surge quando há violação do direito subjetivo alegado. Assim, conforme entendimento doutrinário, não há falar em petição de herança enquanto não se der a confirmação da paternidade. Dessa forma, conclui-se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro” (STJ, REsp 1.475.759/DF, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. 17/05/2016, DJe 20/05/2016).

Em 2018, essa posição foi confirmada por outra ementa, que está fundamentada na teoria da actio nata subjetiva ou de viés subjetivo, segundo a qual o prazo prescricional deve ter início do conhecimento da lesão ao direito subjetivo. Como consta do seu trecho final, “nas hipóteses de reconhecimento ‘post mortem’ da paternidade, o prazo para o herdeiro preterido buscar a nulidade da partilha e reivindicar a sua parte na herança só se inicia a partir do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando resta confirmada a sua condição de herdeiro. Precedentes específicos desta Terceira do STJ. Superação do entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmado quando ainda detinha competência para o julgamento de matérias infraconstitucionais, no sentido de que o prazo prescricional da ação de petição de herança corria da abertura da sucessão do pretendido pai, seguindo a exegese do art. 1.572 do Código Civil de 1916. Aplicação da teoria da ‘actio nata'” (STJ, REsp 1.368.677/MG, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 05/12/2017, DJe 15/02/2018). Na sequência surgiram outras decisões no mesmo sentido na Terceira Turma, cabendo transcrever as seguintes, apenas para ilustrar:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM C/C PETIÇÃO DE HERANÇA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NESTA CORTE SUPERIOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 568 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (…). 2. Tratando-se de filho ainda não reconhecido, o início da contagem do prazo prescricional só terá início a partir do momento em que for declarada a paternidade, momento em que surge para ele a pretensão de reivindicar seus direitos sucessórios. 3. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos. 4. Agravo interno não provido” (STJ, Ag. Int. no REsp 1.986.589/MG, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 30/05/2022, DJe de 01/06/2022).

“RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO POST MORTEM. PETIÇÃO DE HERANÇA. PRESCRIÇÃO. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO. TEORIA DA ACTIO NATA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A pretensão dos efeitos sucessórios por herdeiro desconhecido é prescritível (art. 205 do CC/2002). 3. O termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, à luz da teoria da actio nata. 4. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1.762.852/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18/05/2021, DJe de 25/05/2021).

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PETIÇÃO DE HERANÇA. 1. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. SÚMULA 568/STJ. 2. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 3. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. ENTENDIMENTO ADOTADO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. 4. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO A QUO. SÚMULA 283/STF. 5. AGRAVO DESPROVIDO. (…). 3. Tratando-se de filho ainda não reconhecido, o início da contagem do prazo prescricional só terá início a partir do momento em que for declarada a paternidade, momento em que surge para ele a pretensão de reivindicar seus direitos sucessórios. Acórdão a quo em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior. Incidência da Súmula 83/STJ. (…)” (STJ, Ag. Int. no REsp 1.695.920/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 22/05/2018, DJe de 01/06/2018).

Apesar de esse entendimento contemporâneo prevalecer no âmbito da Terceira Turma do Tribunal da Cidadania, na sua Quarta Turma vinha prevalecendo, igualmente em julgados recentes, a aplicação da teoria clássica. Assim, em 2019, instaurou-se a divergência entre as duas Turmas, o que teve início nos autos do Agravo no Recurso Especial n. 479.648/MS, de dezembro daquele ano. Como constou do decisum, “o termo inicial do prazo prescricional da pretensão de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, ou, em se tratando de herdeiro absolutamente incapaz, da data em que completa 16 (dezesseis) anos, momento em que, em ambas as hipóteses, nasce para o herdeiro, ainda que não legalmente reconhecido, o direito de reivindicar os direitos sucessórios (actio nata). (…). Nos termos da Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal: ‘É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança’. (…). Diante da incidência das regras dispostas no art. 177 do CC/1916, c/c os arts. 205 e 2.028 do CC/2002, aberta a sucessão em 28.jul.1995, o termo final para o ajuizamento da ação de petição de herança ocorreria em 11.jan.2013, dez anos após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, de modo que foi ajuizada oportunamente a demanda, em 04.nov.2011” (STJ, Ag. Int. no AREsp 479.648/MS, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe de 06/03/2020). Nota-se que a premissa geral da abertura da sucessão é afastada nos casos envolvendo filhos absolutamente incapazes, menores de dezesseis anos, por incidência do art. 198, inc. I, do Código Civil, segundo o qual não corre a prescrição em relação a eles.

Entre uma e outra corrente, reitero que fico com a contemporânea, pelo argumento da necessidade de se efetivar o direito fundamental à herança, previsto no art. 5º, inc. XXX, da Constituição da República. Em alguns Países, a propósito, o legislador foi expresso ao estabelecer que essa demanda não está sujeita a prazo, sendo imprescritível a pretensão, como o art. 553 do Código Civil Italiano e o art. 664 do Código Civil Peruano.

No Brasil não se fez essa opção, mas também não se estabeleceu regra com qualquer prazo para que a demanda seja proposta, sendo imperioso concluir que não se há que reconhecer a aplicação do prazo geral de prescrição. Repise-se que, na doutrina nacional, a não sujeição a prazo é defendida por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, a maior sucessionista brasileira, para quem “a petição de herança não prescreve. A ação é imprescritível, podendo, por isso, ser intentada a qualquer tempo. Isso assim se passa porque a qualidade de herdeiro não se perde (semel heres semper heres), assim como o não exercício do direito de propriedade não lhe causa a extinção. A herança é transferida ao sucessor no momento mesmo da morte de seu autor, e, como se viu, isso assim se dá pela transmissão da propriedade do todo hereditário. Toda essa construção, coordenada, implica o reconhecimento da imprescritibilidade da ação, que pode ser intentada a todo tempo, como já se afirmou” (Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 20. p. 202). No mesmo sentido, Luiz Paulo Vieira de Carvalho opina: “em nosso sentir, as ações de petição de herança são imprescritíveis, podendo o réu alegar em sede de defesa apenas a exceção de usucapião (Súmula 237 do STF), que atualmente tem como prazo máximo 15 anos (na usucapião extraordinária sem posse social, art. 1.238, caput, do CC)” (Direito das sucessões. São Paulo: Atlas, 2014. p. 282-283).

A par das últimas palavras, apesar dessa não incidência de prazo, sigo a possibilidade, como nos outros sistemas jurídicos citados, de se alegar a usucapião a respeito de bens singularizados notadamente como matéria de defesa, como está na Súmula 237 do nosso Supremo Tribunal Federal. Isso faz com que a situação de cada bem seja analisada especificamente, atribuindo a determinado herdeiro, se for o caso, a propriedade da coisa caso estejam preenchidos os requisitos da usucapião, em qualquer uma das suas modalidades previstas em nossa legislação.

Ciente de que essa vertente pela não aplicação de qualquer prazo é minoritária no Brasil, não tendo praticamente qualquer aplicação jurisprudencial, sobretudo no âmbito do STJ, no debate ora exposto fico com a visão contemporânea, deduzindo pelo início do prazo de prescrição a partir do trânsito em julgado da sentença da ação de investigação de paternidade, justamente por entender que ela melhor efetiva os argumentos ora desenvolvidos, sobretudo o direito fundamental à herança, previsto no Texto Maior.

Feitas essas notas doutrinárias, como apontava no meu anterior texto, a questão relativa ao início do prazo de prescrição pendia de pacificação no âmbito da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, o que acabou ocorrendo em julgamento do dia 24 de novembro de 2022, a seguir transcrito:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ‘AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE POST MORTEM C/C PEDIDO DE HERANÇA’. PROVAS INDICIÁRIAS DO RELACIONAMENTO. EXAME DE DNA. RECUSA PELOS RÉUS. SÚMULA 301 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA. PETIÇÃO DE HERANÇA. PRESCRIÇÃO. SÚMULA N. 149 DO STF. TERMO INICIAL. ABERTURA DA SUCESSÃO OU TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. DIVERGÊNCIA CARACTERIZADA. 1. Embargos de divergência que não merecem ser conhecidos na parte em que os embargantes buscam afastar a aplicação da Súmula n. 301 do STJ, tendo em vista a efetiva ausência de teses conflitantes nos acórdãos confrontados. No acórdão indicado como paradigma, da QUARTA TURMA (REsp n. 1.068.836/RJ), foi decidido que a aplicação da Súmula n. 301 do STJ dependeria da existência de provas indiciárias quanto à paternidade, citando, inclusive precedente da TERCEIRA TURMA. No acórdão embargado, igualmente, a TERCEIRA TURMA aplicou a Súmula n. 301 do STJ, deixando claro, ainda, que haveria outros elementos que confirmariam, ao menos indiciariamente, a filiação. 2. O prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, aplicada a corrente objetiva acerca do princípio da actio nata (arts. 177 do CC/1916 e 189 do CC/2002). 3. A ausência de prévia propositura de ação de investigação de paternidade, imprescritível, e de seu julgamento definitivo não constitui óbice para o ajuizamento de ação de petição de herança e para o início da contagem do prazo prescricional. A definição da paternidade e da afronta ao direito hereditário, na verdade, apenas interfere na procedência da ação de petição de herança. 4. Embargos de divergência parcialmente conhecidos e, nessa parte, providos, declarada a prescrição vintenária quanto à petição de herança” (STJ, EAREsp 1.260.418/MG, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 24/11/2022).

Votaram com o Relator os Ministros Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi, os dois últimos alterando a sua posição anterior, pela visão contemporânea para a clássica. Foram vencidos os Ministros Marco Aurélio Bellizze e Paulo de Tarso Sanseverino, que mantiveram seus entendimentos, quando dos julgamentos da Terceira Turma. O Ministro Villas Bôas Cueva, Presidente, não prolatou voto.

Além das afirmações já conhecidas a respeito da certeza e da segurança jurídica, acabou prevalecendo a incidência da teoria da actio nata objetiva, ou de viés objetivo, para tais situações, correndo o prazo de prescrição a partir da suposta lesão ao direito subjetivo, que se daria com a abertura da sucessão, ou seja, com a morte daquele a quem a petição de herança se refere. Aplicou-se, assim, o teor do Enunciado n. 14, aprovado na I Jornada de Direito Civil, que sintetiza a actio nata objetiva: “1) O início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer”.

Entendo, assim, que a questão foi consolidada no âmbito da Segunda Seção da Corte, devendo ser considerada pelos julgadores de primeira e de segunda instância, por constituir “jurisprudência”, nos termos do que está previsto nos arts. 926 e 927, § 4º, do vigente Código de Processo Civil.

Entre vitórias e derrotas doutrinárias, tenho defendido ferrenhamente nos últimos anos a necessidade de manutenção e de respeito às decisões do Superior Tribunal de Justiça que consolidam a sua posição em matéria de Direito Privado, para que o Direito Civil mantenha a sua funcionalidade, em prol da certeza e da segurança esperada para as relações jurídicas. Que assim seja, mesmo não sendo a solução a adotada e seguida por mim.

Flávio Tartuce é pós-doutorando e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Professor do G7 Jurídico. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

Fonte: IBDFAM

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