O CNB/GO conversou com Carlos Elias de Oliveira, Consultor Legislativo do Senado Federal, que analisou os principais avanços, desafios e impactos do anteprojeto na atividade notarial e na vida dos cidadãos
A reforma do Código Civil é um dos temas mais relevantes e discutidos atualmente no cenário jurídico brasileiro. Com avanços significativos no campo da desjudicialização, da autonomia da vontade e da simplificação de procedimentos, o anteprojeto tem mobilizado juristas, legisladores, advogados e notários em torno de um objetivo comum: modernizar a legislação civil para que ela acompanhe a velocidade das transformações sociais, econômicas e tecnológicas do século XXI. Nesse contexto, ouvir especialistas que participaram ativamente da elaboração do texto se torna essencial para compreender a amplitude e os impactos dessas mudanças.
O CNB/GO conversou com um dos juristas envolvidos nesse processo, Carlos Elias de Oliveira, Consultor Legislativo do Senado Federal, que integrou a Comissão de Juristas responsável pelo anteprojeto. Com ampla experiência e profundo conhecimento no campo do Direito Civil, ele traz uma visão prática e técnica sobre os principais objetivos da reforma, que vão desde a redução de formalismos desnecessários até a valorização da autonomia privada. Sua atuação contribuiu para que o texto buscasse equilibrar segurança jurídica com maior liberdade e eficiência nas relações privadas.
Ao longo desta entrevista, Carlos Elias comenta os pontos mais sensíveis da reforma, as inovações trazidas especialmente no Direito de Família e das Sucessões, e os impactos diretos sobre a atividade notarial e registral. Além disso, analisa os dispositivos que tratam de avanços tecnológicos, como a herança digital e os atos eletrônicos, e reflete sobre o papel do notário na construção de um ambiente jurídico mais ágil e seguro.
Confira a entrevista na íntegra:
CNB/GO: O senhor participou da Comissão de Juristas responsável pelo anteprojeto da Reforma do Código Civil. Quais foram os principais objetivos dessa atualização legislativa?
Carlos Elias: O objetivo principal do Anteprojeto de Reforma do Código Civil foi desburocratizar a vida dos cidadãos, com eliminação de formalismos desnecessários e com consolidação daquilo que já é admitido pela doutrina e pela jurisprudência.
CNB/GO: Quais os pontos mais sensíveis ou inovadores que o anteprojeto trouxe em relação ao Código Civil de 2002?
Carlos Elias: O Anteprojeto de Reforma do Código Civil afasta a burocrática exigência de pronunciamento judicial para mudança de regime de bens.
Garante o direito da mulher a uma prestação compensatória na hipótese de ela, apesar de ter-se dedicado primordialmente aos trabalhos de cuidado e de ter abdicado da sua carreira profissional, venha a ficar com praticamente nada no momento do divórcio em razão do regime da separação de bens.
Reconhece a tutela especial dos animais, com equilíbrio, sem comprometer os setores da economia relacionados à alimentação.
CNB/GO: Em sua visão, quais mudanças têm maior chance de gerar debates mais intensos no Congresso Nacional antes da aprovação definitiva?
Carlos Elias: De um modo geral, o Anteprojeto de Reforma do Código Civil reúne questões que guardam grande consenso na doutrina e na jurisprudência. Estimo que cerca de 80% da proposição é apenas colocar, no texto legal, o que já é admitido na jurisprudência, o que é salutar para a segurança jurídica e para impedir decisões judiciais à revelia da posição dos tribunais superiores. Mas há alguns temas que devem ser discutidos com mais vagar para aprimoramento, como temas relacionados à herança.
CNB/GO: De que forma a Reforma do Código Civil impacta diretamente a atividade notarial?
Carlos Elias: O tabelião de notas é, por excelência, o jurista que traduz juridicamente a vontade dos cidadãos. E, nesse trabalho, conta muito não apenas a habilidade, a criatividade e a técnica jurídica, mas também a abertura das leis à autonomia privada. O Anteprojeto reforça essa autonomia da vontade, o que levará os tabeliães a terem maior margem de manobra para colaborar com os cidadãos.
CNB/GO: O anteprojeto trouxe inovações no campo do Direito das Famílias e das Sucessões. Como essas mudanças podem alterar a rotina dos tabelionatos, especialmente na lavratura de escrituras?
Carlos Elias: De um modo geral, entendo que os tabeliães serão muito mais demandados, porque o Anteprojeto, além de prestigiar a autonomia da vontade, estabelece caminhos juridicamente seguros para os cidadãos. Assim, questões como regime de bens, diretivas antecipadas de vontade, diretivas de curatela e outras devem frequentar, com mais intensidade, as serventias notariais.
CNB/GO: A Reforma busca ampliar a desjudicialização de conflitos. Que papel o senhor enxerga para os notários nesse movimento?
Carlos Elias: O notário terá papel protagonista nesse movimento de desburocratização da vida dos cidadãos, pois a extrajudicialização vem sendo feita dentro do pressuposto de que, em casos consensuais, a intermediação do tabelião é suficiente para garantir segurança jurídica, sem necessidade da intervenção de um juiz. De um certo modo, o próprio corpo técnico dos notários brasileiros é marcado por excelência técnico-jurídico, com vários notários que já foram magistrados, promotores, procuradores e integrantes de altas carreiras jurídicas.
CNB/GO: No âmbito patrimonial, houve avanços em relação a negócios jurídicos formalizados em cartório? Quais pontos merecem maior atenção dos notários?
Carlos Elias: Com a diretriz de desburocratização sem sacrificar a segurança jurídica, o Projeto de Reforma insta os tabeliães a atuarem em vários negócios jurídicos, como nos casos de alteração de regime de bens no casamento, de formalização de negócios imobiliários e de manifestações de vontade para depois da perda da lucidez ou da morte.
CNB/GO: Como a Reforma trata da segurança jurídica nos negócios privados, e qual o papel do notário nesse cenário de garantias?
Carlos Elias: O Anteprojeto enxergou, no notário, um profissional do Direito de alta capacidade técnica e de forte compromisso de imparcialidade própria da função pública para promover extrajudicializações e para estimular a autonomia da vontade.
CNB/GO: A Reforma dialoga com os avanços tecnológicos, como assinaturas digitais e atos notariais eletrônicos. Quais dispositivos podem reforçar ou desafiar a digitalização dos serviços notariais?
Carlos Elias: Muitos avanços admiráveis já foram alcançados na digitalização dos serviços notariais, com reconhecida atuação proativa do Colégio Notarial do Brasil. Já temos escrituras públicas eletrônicas e vários outros serviços digitais. O Anteprojeto consolida isso em texto legal e avança, ainda, para abordar temas importantes do mundo cibernético, como o de herança digital.
CNB/GO: Na sua opinião, a Reforma do Código Civil é suficiente para preparar o Direito brasileiro para os próximos 20 anos, ou haverá necessidade de ajustes mais frequentes diante das rápidas transformações sociais e tecnológicas?
Carlos Elias: Com certeza, a Reforma do Código Civil é absolutamente necessária para atender às transformações que aconteceram à velocidade da luz nas últimas décadas. E é preciso lembrar que o Código Civil atual foi gestado ainda na década de 60 e 70 e refletia a mentalidade de um mundo mais analógica e mais pacato do que o atual. Com a Reforma, teremos um Código mais adequado à realidade atual. É, porém, difícil, em um mundo tão dinâmico como o atual, fazer previsões se, nos próximos 20 anos, teremos necessidade de outra Reforma. Uma coisa é certa, porém: os institutos de Direito Civil desenvolvidos desde a genialidade dos juristas romanos antigos conseguirão dar respostas às necessidades da sociedade, ainda que possam vir a demandar eventuais ajustes pontuais. O Projeto de Reforma seguiu esse parâmetro, apenas aparando pequenas arestas em atenção aos novos tempos.
CNB/GO: Como os notários podem se antecipar e se preparar para as mudanças trazidas pela Reforma, garantindo uma adaptação ágil e eficiente?
Carlos Elias: É fundamental os notários manterem constante contato com a Reforma do Código Civil, seja em eventos, seja em debates, seja nos estudos particulares. Além de ela ser uma fonte de conhecimento do que hoje já é admitido, a Reforma abrirá, mais ainda, os olhos dos notários às demandas reivindicadas pela Sociedade desse agitado e inovador Século XXI.
Por Camila Braunas, Assessora de Comunicação do CNB/GO.