A prescrição de dívidas é um tema crucial no âmbito do Direito, uma vez que diz respeito à proteção dos direitos tanto do devedor quanto do credor. “Dormientibus Non Sucurrit Ius” é um princípio que ressalta a necessidade de agir de maneira correta para garantir e exercer direitos. Diante disso, surge a questão de se, quando o prazo para cobrança judicial de uma dívida já expirou, pode-se presumir a quitação?
O Princípio “Dormientibus Non Sucurrit Ius”:
O brocárdio “Dormientibus Non Sucurrit Ius” tem raízes antigas no Direito Romano e ressalta que o direito não auxilia aqueles que negligenciam o exercício de seus direitos. No contexto das dívidas, isso significa que a inércia do credor em buscar uma cobrança dentro do prazo prescrito pela lei pode levar à perda de seu direito.
Da boa-fé objetiva:
Ela é um princípio fundamental no direito contratual que exige honestidade e liderança nas relações contratuais. Duas facetas importantes relacionados a ele: a “supressão” e a “surreção”, que abordam situações em que uma parte pode ou não alegar o descumprimento de uma obrigação devido à inação da outra parte.
A “supressão” envolve a perda de um direito devido à inação prolongada de uma das partes, indicando que ela não pretende mais o cumprimento da obrigação. A “surreção”, por outro lado, permite o surgimento de um direito após um período de ação reiterada, desde que as condições contratuais e a boa-fé sejam respeitadas.
Como disse o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1.338.432, em 2017, na Quarta Turma, “a supressio inibe o exercício de um direito, até então reconhecido, pelo seu não exercício. Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento reiterado” (STJ – REsp 1.338.432, 2017.).
Em um contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, se um comprador deixa de pagar por um longo período e o vendedor não toma medidas para cobrar, uma “supressão” pode ser aplicada. No entanto, se o vendedor cobrar antecipadamente as parcelas nesse novo prazo reduzido, sem o devedor reclamar, a “surreção” permite a retomada dos direitos de cobrança. Esses conceitos dependem das especificações de cada caso, e é crucial considerá-los ao analisar situações de inadimplência em contratos.
Código Civil de 1916 e a Prescrição:
O Código Civil de 1916, no seu artigo 177, estabelecia que a prescrição ocorreria em vinte anos, a menos que a lei determinasse um prazo menor. Isso fez com que, na ausência de um prazo especificado estipulado por outra lei, o credor pudesse buscar a cobrança no período de vinte anos. Após esse prazo, havia a possibilidade de se presumir a quitação da dívida.
Novo Código Civil e Redução do Prazo:
Com a entrada em vigor do Novo Código Civil em 2002, o prazo de prescrição foi reduzido para (cinco) 5 anos. Essa mudança reflete preocupação em equilibrar os interesses dos credores, evitando que o tempo excessivo prejudique a eficácia do direito de cobrança. Veja esse acórdão que faz menção ao art. 206 § 5° e o VIII § 5° TJ-MG – Agravo de Instrumento-Cv: AI XXXXX20803647001 MG:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – CONTRATO DE FINANCIAMENTO – PRESCRIÇÃO PARCIAL DAS PARCELAS – OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. Tratando-se de cobrança de dívida líquida constante de instrumento particular, deve ser aplicado o prazo prescricional de 05 anos, nos termos do art. 206 , § 5º , inciso I , do Código Civil . A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, se tratando de obrigações de trato sucessivo, o prazo prescricional apenas tem início após a data de vencimento da última parcela do contrato, ainda que tenha sido convencionado o vencimento antecipado das prestações, na hipótese de inadimplemento. Estando diante de um contrato de prestação continuada, no qual há autonomia entre as parcelas cobradas e, por conseguinte, prestações autônomas a cada período, o credor somente poderá cobrar as parcelas que venceram dentro do quinquídio que antecede ao ajuizamento da demanda (TJMG, 2023, p. 1).
Obrigações Civis Transformadas em Obrigações Naturais
As obrigações civis são fundamentais no campo do direito, estabelecendo vínculos jurídicos entre as partes de um contrato ou imposições legais que obrigam-as o cumprimento de uma prestação. No entanto, em determinadas circunstâncias, essas obrigações podem sofrer uma transformação, assumindo a forma de obrigações naturais.
O aspecto subjetivo das obrigações naturais é fundamental para compreender essa transformação. Quando uma obrigação civil se converte em obrigação natural, a exigibilidade judicial é perdida. Ou seja, o credor não pode obrigar legalmente o devedor a cumprir a prestação. Neste ponto, o sistema jurídico brasileiro não estar-se-ia à disposição eternamente do inerte. Muito embora, nesse caso, haverá essa mitigação da proteção jurídica ao jurisdicionado, não se pode negar que a obrigação será eterna no campo da ética e do inconsciente das partes envolvidas. Nada mais.
Essa transformação ocorre muitas vezes devido à prescrição, decadência ou impossibilidade de cumprimento, fatores que tornam as obrigações não mais exigíveis perante o arcabouço jurídico. No entanto, o devedor, de forma voluntária e baseado no seu senso de justiça ou moral, ainda pode optar por cumprir a prestação.
A situação descrita destaca a relevância da ética e da responsabilidade pessoal no contexto das obrigações naturais. Embora tais obrigações não possuam força legal vinculativa, os indivíduos têm a opção de cumprir essas obrigações em prol da sua própria integridade moral e respeito aos acordos previamente estabelecidos. Isso pode ser exemplificado em um cenário de compromisso de compra e venda, onde o credor opta por não fazer valer seus direitos legais dentro do prazo estipulado. Nesse contexto, a inércia do credor jamais pode ser alimento para o sistema jurídico permitir com que o proprietário do imóvel permaneça com ele irregular.
Nos primeiros segmentos deste artigo, foram explorados aspectos fundamentais do universo jurídico, incluindo a aplicação do brocardo jurídico “dormientibus non Sucurrit Ius”, a importância da boa-fé objetiva nas relações civis, a evolução da prescrição no código civil de 1916 para o código civil de 2002, e as nuances entre obrigações civis e naturais. Agora, ao avançarmos para a segunda parte, voltaremos nossa atenção à análise da adjudicação compulsória extrajudicial. Este tópico se torna crucial na compreensão das dinâmicas legais contemporâneas, trazendo questões específicas relacionadas à presunção de quitação na obrigação. Além disso, será ressaltado o posicionamento jurisprudencial atualizado sobre esse tema, proporcionando uma visão abrangente e informativa aos operadores do direito.
Fonte: Migalhas