Em agosto deste ano, o número de doações de bens passou para mais de 14,2 mil.
O medo de que a reforma tributária em discussão em Brasília aumente a cobrança de impostos sobre herança no País está levando brasileiros aos cartórios. Desde que o texto foi aprovado na Câmara de Deputados, em julho, o número de doações em vida de bens a herdeiros aumentou 22%, mostram dados do Colégio Notarial do Brasil, do Conselho Federal (CNB/CF), entidade que reúne os 8.344 Cartórios de Notas em território nacional.
Em agosto deste ano, o número de doações de bens passou para mais de 14,2 mil. A média mensal em 2022 era de 11,6 mil.
A doação em vida de bens consiste em antecipar a transferência do patrimônio aos herdeiros, para que, após a morte, não seja necessário a abertura de um inventário para realizar a partilha. Na prática, o doador mantém a posse e o usufruto dos bens enquanto permanecer vivo, apenas já deixa registrado a destinação da herança no futuro.
De qualquer maneira, incidirá sobre o patrimônio o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), que deve ser pago por quem recebe bens ou direitos, seja por herança seja por doação em vida. Por se tratar de um tributo estadual, cada um dos 27 Estados brasileiros têm liberdade para estabelecer a sua própria alíquota, que pode ser fixa ou progressiva, desde que não ultrapasse a faixa de 8%.
Também é permitido que o inventário seja processado em outro Estado que não seja aquele em que o dono do patrimônio morreu – uma estratégia que costuma ser utilizada para direcionar o processo para onde há a menor alíquota.
A proposta presente na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 coloca algumas alterações importantes. Se aprovado, o texto determina que o ITCMD se torne obrigatoriamente uma alíquota progressiva até 8%. Ou seja, que seja maior para valores de herança mais elevados. A reforma também diz que o ITCMD deverá ser recolhido no Estado de domicílio do falecido, além de determinar a cobrança do imposto em doações e heranças no exterior, que atualmente são isentas de tributos.
Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio-fundador do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, explica que as novas alíquotas do ITCMD ainda não foram estabelecidas. Esta é uma informação que deve estar presente apenas no texto final da PEC. Ainda assim, é de se esperar por um aumento nessa carga tributária.
“Muito provavelmente haverá um aumento de carga tributária, principalmente para aqueles Estados que atualmente não aplicam uma alíquota progressiva”, diz o advogado. “Usando como exemplo São Paulo, que hoje cobra 4% para todo mundo. A maioria dos contribuintes que tiver um patrimônio um pouco maior vai cair na alíquota de 8%.”
Por conta da expectativa de aumento na tributação o número de doação de bens em vida cresceu. São cidadãos tentando garantir, ainda em vida, um imposto menor sobre a partilha do patrimônio. Um movimento que, segundo Francisco Nogueira de Lima Neto, é até compreensível.
“Qualquer família que tenha algum patrimônio e que possua herdeiros vai estar sujeito a inventário se não fizer a doação em vida. E essas regras de inventário, com a PEC 45, provavelmente serão piores”, afirma Neto. “É uma janela de oportunidade, especialmente para esses contribuintes que atualmente estão nos Estados com as alíquotas mais baixas.”
Vale a pena se antecipar?
A PEC 45/2019 não é a primeira discussão sobre a tributação de heranças a acontecer. Tramita no Senado há algum tempo um outro texto que propõe aumentar a faixa limite do ITCMD para 16%. Nesse caso, Estados teriam liberdade para estabelecer suas alíquotas – fixas ou progressivas – até o dobro do teto atual de 8%.
“Comparado a diversos outros países, a carga tributária no Brasil de doação e sucessão, que são objetos do ITCMD, são baixas. Existem aqueles que tributam 10%, 15%, ou até 40%”, destaca Rogério Fedele, advogado do escritório Abe Advogados. Isso mostra como a possibilidade de aumentar os impostos sobre herança já vem sendo discutida antes mesmo da reforma tributária. Um sinal de alerta e que corrobora com a doação antecipada dos bens.
E não é somente pela questão tributária, defende Fedele: o planejamento sucessório em vida pode facilitar os trâmites em um momento de luto para os ficam, simplificando as dinâmicas familiares e até evitando intrigas. Afinal, já estará estebelecido e acordado quem receberá qual parte do patrimônio.
O advogado levanta ainda um outro ponto, a possibilidade do aumento do valor do imóvel com o passar do tempo. “Uma doação de um bem que vale 100 paga 4% hoje em São Paulo. Esperar é correr o risco de doar o mesmo bem numa sucessão, daqui a 20 anos, mas com o bem valendo 500 e com uma alíquota de 16%”, diz Fedele. “Tudo isso atrai as famílias a anteciparem em vida, por trazer uma paz e até uma eficiência tributária, dado que a perspectiva é realmente que a alíquota eventualmente aumente.”
Planejamento sucessório
Essa discussão traz a tona a importância de um outro tema, que especialistas chamam de planejamento sucessório. Trata-se da organização da transferência de patrimônio para herdeiros, com uma série de medidas tributárias, jurídicas e financeiras que não só facilite o recebimento da herança, mas ajude a evitar qualquer conflito.
Luciana Pantaroto, sócia da consultoria Dian & Pantaroto e planejadora financeira CFP pela Planejar, define esta etapa como uma tentativa de tornar a transmissão do patrimônio entre as gerações mais eficiente, reduzindo custos, burocracia e conflitos familiares. É possível utilizar diferentes instrumentos, como a própria doação em vida, mas também testamento, seguros de vida e até holdings familiares. Tudo a depender da complexidade do patrimônio e da estrutura familiar.
E não é preciso ter muito dinheiro para pensar em um planejamento sucessório, diz a especialista. “Algumas medidas podem ser adotadas em benefício de indivíduos cuja situação patrimonial e familiar sejam mais simples”, destaca Pantaroto. “Considerando que a morte é imprevisível, vale pensar em sucessão. No entanto, pela complexidade do tema, é fundamental contar com assessoria especializada para a melhor tomada de decisão.”
Fonte: Estadão