– Por Fernanda de Freitas Leitão
É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.
Atualmente, vivemos um momento em que o Poder Judiciário sofre com a sobrecarga do número de processos – foram mais de 114,5 milhões em 2020 -, decorrentes principalmente pelo vertinogoso aumento do número de novos direitos criados a partir da Constituição de 1988 e da própria população. Ao mesmo tempo em que contamos com um número reduzido de magistrados, estima-se que cada juiz tem uma carga de 1.679 processos, fazendo com que esse Poder não consiga atender de forma eficaz a todas as demandas que lhe são dirigidas.
Esse problema, que acomete o Poder Judiciário, foi objeto do Livro “A Era dos Direitos”, de Noberto Bobbio. Em seu livro, Bobbio explica, de forma clara e objetiva, que essa incapacidade do Poder Judiciário é forjada exatamente na perversa equação que prevê uma progressão geométrica dos direitos tutelados, bem como da população e aritmética do número de magistrados. Como se percebe, trata-se de um problema de difícil solução e atinge a todos. Isso implica dizer que a morosidade, o alto custo e a imprevisibilidade das decisões judiciais são problemas mundiais.
Chegando à mesma conclusão, Boaventura de Sousa Santos, no seu livro “Introdução à Sociologia da Administração Pública”, discorre sobre o fenômeno da explosão da litigiosidade, que consiste, em apertada síntese, na distância abissal existente entre a realidade das normas jurídicas (muitas vezes utópicas) e na realidade vivida pelas pessoas, principalmente, as menos favorecidas economicamente.
Com o intuito de solucionar esse imbróglio, ou ao menos minimizá-lo, iniciou-se um movimento que tem como escopo transferir para os serviços notariais todas as questões que não envolvam litigiosidade e, em alguns casos, como o da mediação e da arbitragem, presente na litigiosidade, entre partes maiores e capazes. Na verdade, não se trata de subtração ou mera transferência, mas, sim, de um compartilhamento com toda a sociedade pela responsabilidade por esse número estratosférico de ações judiciais.
Com vistas a esse imprescindível compartilhamento e, por consequência, a efetividade da Justiça, o Código de Processo Civil, no seu art. 1.071, possibilitou o reconhecimento da usucapião extrajudicial, diretamente no registro imobiliário competente.
Ressalte-se que, antes mesmo do novo Código de Processo Civil, nosso ordenamento jurídico já previa a possibilidade da usucapião extrajudicial, por meio da lei 11.997/09 (PMCMV), que trata do tema da regularização fundiária, dividindo-a em duas formas: a de interesse social e a de interesse específico, conferindo ao ocupante do lote regularizado o título de legitimação de posse, que será passível de registro, vide 41, inc. I, do art. 167, da lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). E, uma vez registrado o título de legitimação de posse, após cinco anos, este será convertido em propriedade. Além da usucapião extrajudicial, prevista no Código de Processo Civil, vamos encontrar a usucapião administrativa de bens públicos, prevista na lei 11.481/07 – que prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União, criando o instituto da concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão especial coletiva de uso para fins de moradia; e na lei 13.465/17, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, prevendo os institutos da legitimação fundiária e da legitimação de posse.
Fora isso, a lei 13.465/17 instituiu o direito de laje como direito real, previsto no inciso XIII, do art. 1.225, do Código Civil brasileiro.
Por seu turno, o problema da falta de moradia e o comando constitucional que elevou o direito à moradia à condição de direito social, após a Emenda Constitucional 26/00; o princípio da função social da propriedade (teorias subjetiva, objetiva e sociológica da posse), da função social da posse, da função social da cidade (art. 182, da CF/88) e do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (inciso III, do art. 1º, da CF/88), certamente, foram os fatores determinantes que impulsionaram o legislador a rever e a conferir prioridade ao instituto da usucapião.
Acrescente-se, ainda, que a celeridade do procedimento não beneficiará apenas o cidadão, à medida que a regularização imobiliária implica relevante meio de incremento na arrecadação de receitas municipais e estaduais, decorrentes da cobrança de tributos, como, por exemplo, o imposto predial urbano (IPTU), imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e do imposto de doação e causa mortis (ITCMD), favorecendo diretamente a Administração Pública, mormente, nesse momento, de grave crise financeira.
Destarte, tecidas essas considerações preliminares, voltemos ao tema que nos interessa: a usucapião extrajudicial, promovida diretamente perante o registro imobiliário e com a lavratura da ata notarial. O fundamento principal do instituto da usucapião é conferir segurança jurídica a uma situação, que já se consolidou com o decurso do tempo e que poderá se transformar no robusto e almejado direito de propriedade ou de qualquer outro direito real, à exceção dos direitos reais de garantia.
Discorrendo ainda sobre a segurança jurídica, leia-se a lição do renomado jurista José Carlos de Moraes Salles: “Interessa à paz social a consolidação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-se em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da coletividade.”
Além de conferir segurança jurídica, outro importante fundamento da usucapião é a sua relevância social, pois o interessado confere ao bem, objeto da usucapião, destinação útil e funcional, atendendo e dando efetividade aos preceitos constitucionais da função social da propriedade, do direito social à moradia e, consequentemente, ao sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, viga mestra de todo o nosso sistema jurídico.
E, como todos sabem, tanto no reconhecimento extrajudicial como na declaração judicial, trata-se de uma forma originária de aquisição de um determinado direito real, à exceção dos direitos reais de garantia. O registro da usucapião extrajudicial será declaratório e não constitutivo, como ocorre na forma de aquisição derivada, conforme nos ensina o art. 1.245, do Código Civil. Apesar de o registro imobiliário, nessa hipótese, não ser constitutivo, conferirá àquele bem usucapiendo oponibilidade erga omnes, i.e., absolutividade, assim como disponibilidade, enquanto um direito real, vide art. 1.228, do Código Civil.
Note-se que o direito preexiste, com o simples decurso do tempo e o exercício da posse qualificada, ou seja, da posse ad usucapionem, que é caracterizada pelo exercício de forma mansa, justa e ininterrupta de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Por essa razão, incorreto seria falar de animus domini, mas sim o ânimo do titular do direito usucapido, animo suo.
Isso quer dizer que não é qualquer posse que conferirá o direito à usucapião, por exemplo, a posse ad interdicta, como, por exemplo, a posse exercida pelo locatário ou comodatário, trata-se de uma posse que confere ao seu titular o direito à utilização da coisa, além da proteção possessória, no entanto, não conferirá ao seu titular a possibilidade da aquisição pela usucapião. Por seu turno, igualmente, não conferirá o direito à usucapião a posse precária decorrente da violação do dever de restituir a coisa (bem), como ocorre com o comodatário ou locatário, uma vez que, instado a devolver a coisa, não o faz, a sua posse, em regra, jamais será robusta o suficiente para gerar a usucapião, não se convalescendo.
Saliente-se, contudo, que boa parte da jurisprudência e da doutrina entende que se trata de uma presunção iuris tantum, posto que existe a possibilidade de se alterar do caráter da posse, denominamos esse fenômeno de interversão da posse, vide art. 1.203, do Código Civil Brasileiro.
Dando outro exemplo que não conduzirá à posse qualificada, ou seja, à usucapião, temos os caseiros, denominados detentores ou fâmulos da posse (art. 1.198, do Código Civil), portanto, não são possuidores, já que guardam o bem em decorrência de uma relação jurídica de subordinação para com o outro.
Outro requisito também essencial para que seja reconhecida a usucapião é que a posse seja justa, isto é, que não seja violenta, clandestina ou precária. Sendo certo, ainda, que as posses violentas e clandestinas poderão se convalescer, desde que cesse a violência ou a clandestinidade (arts. 1.200 e 1.208 do Código Civil).
Por seu turno, não devemos confundir posse justa com justo título. Posse justa é aquela posse que não foi adquirida com violência, clandestinidade ou precariedade, ou seja, a posse não pode decorrer de coação física ou moral, não pode ter sido adquirida sem publicidade ou por violação do dever de restituição. Justo título é, segundo a definição de Leonardo Brandelli, “todo ato jurídico hábil, abstratamente considerado, a transferir ou constituir um direito real passível de usucapião, esteja registrado ou não, incluindo-se o compromisso de compra e venda quitado”.
Outra questão a ser enfrentada pelos operadores de direito, ao analisar se o bem que se pretende usucapir poderá ou não ser objeto da usucapião, é a chamada de res habilis (coisa hábil).
Res Habilis quer dizer coisa hábil a ser usucapida. Nesse sentido, temos os bens, móveis e imóveis, e os direitos reais, à exceção dos direitos reais de garantia e dos bens públicos.
No tocante aos bens públicos, há controvérsia sobre o tema. Tanto a nossa Constituição Federal (§3º, o art. 183 e Parágrafo único do art. 191) como a legislação civil (art. 102, Código Civil), além da Súmula 340, do STF, vedam a usucapião sobre bens públicos.
Todavia, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves entendem que os bens públicos que não estejam afetados a uma finalidade, chamados bens dominicais, são passíveis de serem usucapidos.
Os autores supramencionados consideram que a proibição de se usucapir bens públicos deverá recair somente sobre os bens materialmente públicos, restando à possibilidade de se usucapir os bens formalmente públicos, a fim de fazê-los cumprir a sua função social.
Em síntese, aqueles que defendem a possibilidade de se usucapir bens públicos alegam o seguinte: se o particular está obrigado a conferir a sua propriedade uma função social, por muito mais razão os entes públicos deveriam cumprir com essa obrigação.
Acrescentam, ainda, os aludidos autores que a absoluta impossibilidade de se usucapir bens públicos ofende o princípio constitucional da função social da posse, além do princípio da proporcionalidade.
E com relação às sociedades de economia mista e às empresas públicas que ostentam personalidade jurídica de direito privado (bem público por assemelhação), é possível usucapir esses bens? O Supremo Tribunal Federal tem entendido que há possibilidade de se usucapir esses bens (RE 536.297).
Registre-se, também, o emblemático acórdão proferido pelo Tribunal de Minas Gerais, conhecido pelo “O Caso DER/MG”, na Apelação Cível 1.0194.10.011238- 3/001, Comarca de Coronel Fabriciano/Minas Gerais, que admitiu a declaração da usucapião de área pública.
Por sua vez, impende, igualmente, destacarmos que a lei 11.481/07 prevê a possibilidade de aquisição de direitos sobre imóveis públicos, por meio da concessão especial individual de uso para fins de moradia e concessão especial coletiva de uso para fins de moradia. As aludidas concessões foram incluídas no rol atinente aos direitos reais, no inciso XI, do art. 1.225, do Código Civil, bem como na lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), no seu item 40, inciso I, art. 167.
Continuando no tema sobre os bens públicos, mister que se esclareça que a ausência do registro acerca da propriedade ou de qualquer direito real usucapível não induz à presunção iuris tantum em favor do Estado de que a terra é pública (terras devolutas), ou seja, o Estado deverá provar essa alegação. Sugerimos a leitura dos seguintes acórdãos: Resp. 647-558/RS, Resp. 964223- RN, RE 86.234-MG, Resp. 113255-MT, RE 86.234-MG, RE 75.459-SP.
Vejamos a seguir o que determina nossa legislação infraconstitucional e os atos administrativos expedidos pelo Conselho Nacional de Justiça e a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sobre a usucapião extrajudicial.
Art. 1.071 do CPC, provimento CGJ/RJ 23/16, provimento CNJ 65/17, lei 13.465/17 e a lei 14.382/22
O Capítulo III, do Título V, da lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar da seguinte forma:
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência):
Comentários: De acordo com o Código de Processo Civil de 1973, no seu art. 941, somente ao possuidor poderia propor ação judicial visando à declaração da usucapião. (Vide também art. 2º, do Provimento CNJ 65/17).
I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); (Redação dada pela lei 13.465, de 2017)
Comentários: CGJ/RJ – Provimento 23/16 – no seu art. 6º prevê que, além do tempo da posse do interessado e de seus sucessores, poderão constar, entre outros: declarações das testemunhas, declaração das partes atestando que desconhecem a existência de ações possessórias, valor da posse – art. 8º, Provimento 23/16 (ver Enunciado 178, expressão econômica da posse – FPPC – Forum Permanente de Processualistas Civis).
A CGJ/RJ entende que a ata notarial deverá conter o máximo de informações possíveis, no sentido de facilitar a análise do pedido do reconhecimento extrajudicial pelo Registrador Imobiliário, como, por exemplo, especificar que forma da usucapião é objeto da ata, vide art. 6º, do mencionado Provimento 23/16. Portanto, o ato a ser lavrado pelo Tabelião de Notas, na verdade, serão a ata notarial e escrituras declaratórias.
Com o fim de se reconhecer extrajudicialmente a usucapião, poderão ser lavradas mais de uma ata notarial, desde que sejam complementares.
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes; (Redação dada pela lei 13.465, de 2017)
Comentários: O Provimento CNJ 65/17, no seu inciso II, do seu art. 4º, prevê a possibilidade da apresentação de prova de anotação de responsabilidade técnica, conhecida como A.R.T., expedida por engenheiros, que deverão estar inscritos regularmente no CREA – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio de Janeiro -, bem como a possibilidade da prova do registro de responsabilidade técnica – R.R.T.-, expedida por arquitetos, inscritos regularmente no CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro – (desde dezembro de 2011).
O Provimento CNJ 65/17 prevê a dispensa da apresentação da planta e do memorial, quando o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou de loteamento regularmente instituído, vide § 5º, do art. 4º.
III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
Comentários: CGJ/RJ – Provimento 23/16 – A CGJ/RJ corrigiu no aludido Provimento a imperfeição da lei. Pois não há que se falar em certidões negativas, vide inciso V, do art. 10. A única ação que poderia impedir o reconhecimento da usucapião extrajudicial seria a existência de uma ação possessória ou reivindicatória, que desqualificaria o caráter de posse justa. Por outro lado, a CGJ/RJ exigiu também as certidões expedidas pela Justiça Federal, mas não se referiu às certidões do domicílio do requerente.
O Provimento CNJ 65/17 reitera o erro legislativo e mantém no seu inciso IV, do art. 4º, do mencionado Provimento, a exigência de certidões “negativas”.
IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
Comentários: O justo título só será indispensável para o reconhecimento da usucapião ordinária, vide art. 1.242, do Código Civil brasileiro.
§1º – O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
Comentários: CGJ/RJ – Provimento 23/16 – art. 19 – A CGJ ampliou as hipóteses da prorrogação da prenotação e previu a omissão do interessado em cumprir as exigências legais, além de acrescentar que a prorrogação será de 60 dias, a contar da última exigência. A Lei de Registros Públicos, no seu art. 188, deverá ser lida agora com essas alterações.
§2º – Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância. (Redação dada pela lei 13.465, de 2017)
Comentários: Sem dúvida nenhuma a alteração promovida pela lei 13.465/17 foi fundamental para conferir efetividade à usucapião extrajudicial ao determinar que o silêncio importa anuência, vide também art. 111, do Código Civil brasileiro.
§3º – O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
Comentários: Tanto o CPC como o Provimento CGJ 23/16, no seu art. 22, falam em somente “dar ciência” aos entes públicos. Já o CNJ, no seu §1º, do art. 15, do Provimento 65/17, prevê que: “A inércia dos órgãos públicos à notificação de que trata este artigo não impede o regular andamento do procedimento e o eventual reconhecimento da usucapião extrajudicial”.
Outro ponto importante que devemos destacar é que não é mais obrigatória a interveniência do Ministério Público, na forma em que era preconizada no art. 944, do Código de Processo Civil de 1973.
O Ministério Público somente intervirá quando houver interesse público ou social, interesse de incapaz e nos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana, vide art. 178, do atual Código de Processo Civil.
Buscando dar celeridade ao processo de usucapião extrajudicial, em uma parceria da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) com a Consultoria-Geral da União (CGU) – órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) responsável pela representação extrajudicial, assessoramento e consultoria jurídica da União – publicou uma Portaria (Portaria Conjunta 1, de 15 de fevereiro de 2017) que facilita os procedimentos para a usucapião de bens imóveis.
Essa Portaria dispõe sobre procedimentos a serem adotados pelos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União e pelas Superintendências do Patrimônio da União nos Estados e no Distrito Federal na representação da União relativamente à usucapião extrajudicial de bens imóveis, e dá outras providências.
Segundo o consultor-geral da União, Marcelo Augusto de Vasconcellos, “a finalidade da nova portaria é otimizar a atuação das Superintendências do Patrimônio da União e da CGU, estabelecendo um fluxo de trabalho que permite que cada uma das unidades envolvidas atue de acordo com suas atribuições”.
A nova norma determina que os cartórios acionem a SPU no estado onde está localizado o imóvel sempre que haja pedido de usucapião extrajudicial, a fim de verificar se o mesmo é de propriedade da União. Caso não haja dúvida jurídica sobre o imóvel em questão, caberá às próprias Superintendências responderem diretamente aos titulares dos cartórios de imóveis, sem necessidade de atuação dos órgãos de execução da CGU.
“Por outro lado, se houver questionamentos jurídicos, a SPU deverá encaminhar o caso para a consultoria jurídica da União nos estados ou à Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, quando o bem estiver no Distrito Federal”, ressalta Vasconcellos.
§4º – O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§5º – Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§6º – Transcorrido o prazo de que trata o §4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do §5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. (Redação dada pela lei 13.465, de 2017)
Comentários: A regra é a aplicação do princípio da unitariedade da matrícula, e, de acordo com o citado princípio, cada imóvel será objeto de uma matrícula e cada matrícula descreverá apenas um imóvel. Frise-se que somente será aberta nova matrícula se a descrição do imóvel usucapiendo não coincidir com aquela constante no registro imobiliário.
§7º – Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§8º – Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§9º – A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§10 – Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum, porém, em caso de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo ao interessado o manejo da suscitação de dúvida nos moldes do art. 198 desta Lei. (Redação dada pela lei 14.382, de 2022)
Comentários: A nova redação do §10, do art. 216-A, pôs fim à dúvida outrora existente que consistia em se saber se qualquer impugnação poderia obstar o reconhecimento da usucapião extrajudicial. De acordo com o novo texto legal, a impugnação genérica e manifestamente infundada não mais poderá ensejar o não reconhecimento da usucapião extrajudicial. Com isso, procura-se evitar eventual abuso de direito a ser praticado pelo impugnante sem apresentação de fatos ou provas que corroborem o seu pedido. Mencione-se, também, que, em boa hora, a nova lei 14.382/22, nos §§ 15 e 17, do art. 176, da Lei de Registros Públicos, conferiu ao registrador imobiliário um maior grau de flexibilidade e de proatividade na sua conduta, objetivando conferir efetividade à regularização imobiliária e, em última análise, a própria Justiça.
§11 – No caso de o imóvel usucapiendo ser unidade autônoma de condomínio edilício, fica dispensado consentimento dos titulares de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes e bastará a notificação do síndico para se manifestar na forma do §2º deste artigo. (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
§12 – Se o imóvel confinante contiver um condomínio edilício, bastará a notificação do síndico para o efeito do §2º deste artigo, dispensada a notificação de todos os condôminos. (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
§13 – Para efeito do §2º deste artigo, caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância. (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
§14 – Regulamento do órgão jurisdicional competente para a correição das serventias poderá autorizar a publicação do edital em meio eletrônico, caso em que ficará dispensada a publicação em jornais de grande circulação. (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
§15 – No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso IV do caput deste artigo, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante a serventia extrajudicial, que obedecerá, no que couber, ao disposto no §5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. (Código de Processo Civil.) (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
Com o intuito de tornar a compreensão desse tema tão importante mais simples e fácil, seguem abaixo os quadros sinóticos e jurisprudências mais relevantes.
Do Animus do direito a ser usucapiado
Da intervenção do Ministério Público
Das diferentes formas de usucapião
Jurisprudências
Enunciado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
108 – A ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial.
Jurisprudência atinente à usucapião
Usucapião entre Herdeiros e Condôminos
“USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. CONDOMÍNIO. HERDEIROS E CONDÔMINOS. NECESSIDADE DE POSSE EXCLUSIVA ANIMUS DOMINI UNICI. REQUISITO
INEXISTENTE NA ESPÉCIE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. É possível a usucapião entre herdeiros e condôminos, comprovados, porém, determinados requisitos, sendo imprescindível a posse exclusiva, animus domini unici, traduzido de modo inequívoco, com exclusão dos demais.”(RT 524/210).
“Usucapião. Condomínio. Posse do condômino de parte certa e determinada. Inexistência de oposição dos demais condôminos. Legítimo interesse. Pedido procedente. Recurso não provido.” (JTJ 157/198).
“Para obter usucapião sobre imóvel em condomínio, o condômino deve provar sua posse com exclusão dos direitos possessórios dos demais. Estes não precisam residir no imóvel para conservar seus direitos. ” (RT 502/79, 538/55, 544/73).
RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO OPOSTO COMO EXCEÇÃO EM AÇÃO DE DIVISÃO. CABIMENTO DE USUCAPIÃO ENTRE CONDÔMINOS. (Apelação Cível 500430228, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, Julgado em 15/9/83).
(TJ-RS – AC: 500430228 RS, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, Data de Julgamento: 15/9/83, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia).
Loteamento irregular
TJ/SP – Usucapião em Loteamento Irregular.
Usucapião. Loteamento irregular. Irrelevância. Inobservância da lei do parcelamento do solo urbano e a inércia do Poder Público não constituem impedimento para o reconhecimento da usucapião. Aquisição originária da propriedade. Sentença anulada. Recurso provido.
(TJ-SP – APL: 00010657820108260099 SP 0001065-78.2010.8.26.0099, Relator: Caetano Lagrasta, Data de Julgamento: 27/2/13, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 8/5/13).
Em área inferior ao módulo mínimo urbano SÚMULA TJ/RJ 317
É JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL COM ÁREA INFERIOR AO MÓDULO MÍNIMO URBANO DEFINIDO PELAS POSTURAS MUNICIPAIS.
REFERÊNCIA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA 0013149 64.2005.8.19.0202. JULGAMENTO EM 14/4/14 – RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS QUARESMA FERRAZ. VOTAÇÃO UNÂNIME.
Órgão especial
Incidente de uniformização de jurisprudência 0013149-64.2005.8.19.0202
Suscitante: 2ª câmera Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Interessado 1: _____________
Interessado 2: _____________
Relator: Des. Marcus Quaresma Ferraz
Incidente de Uniformização de Jurisprudência.
Divergência jurisprudencial a respeito da possibilidade jurídica do pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.
A extinção do processo pela impossibilidade jurídica do pedido se baseia nas limitações mínimas espaciais para legalização de terreno constante nas leis municipais que regulam o parcelamento do solo urbano.
Ocorre que tal argumento vai de encontro ao próprio fundamento do instituto da usucapião, bem como a alguns preceitos processuais e até mesmo constitucionais.
A sentença que declara a usucapião é que será registrada, constando do mandado judicial todos os requisitos da matrícula, conforme assinala a lei 6.015/73 – Lei de Registros Públicos, em seus arts. 167, inciso I, e 226, não havendo previsão legal para submissão de seus dados à aprovação do Município.
Deve-se atentar para o fato de que a competência municipal se resume a promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, restringindo-se à União e aos Estados a competência para legislar sobre as diretrizes em direito urbanístico, nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal.
Destarte, a competência do Município encontra limites nas legislações federal e estadual sobre direito urbanístico, cabendo apenas complementá-las e esclarecê-las e não as restringir como ocorreria no caso de se aceitar a constituição de limite espacial como requisito da usucapião – “os mencionados Decretos Municipais (Plano Diretor) não têm a virtude de criar requisito não previsto no ordenamento jurídico”. (0005411-20.2008.8.19.0202 – Apelação – Des. Valéria Dacheux – 13ª Câmara Cível, julgado em 28/5/13).
Aplicar as normas municipais que limitam e regulam o parcelamento do solo urbano ao instituto da usucapião seria um equívoco, diante, com a devida vênia dos que entendem o contrário, da gritante inconstitucionalidade formal que subsistiria ao reconhecer competência ao Município para legislar sobre matéria que lhe não compete: “Com efeito, a restrição municipal de parcelamento do solo urbano não pode impedir a aquisição de terreno por usucapião, já que a norma invocada não regulamenta a aquisição da propriedade imobiliária” (0136494- 64.2000.8.19.0001
– Apelação – Des. Elton M. C. Leme – 17ª Câmara Cível, julgado em 21/8/13). Frise-se que um dos deveres do Município inerente a essa competência constitucional seria exatamente o de fiscalizar o ordenamento do solo urbano, o que, caso fosse feito de forma eficaz e permanente, evitaria que fossem implantadas verdadeiras favelas nos grandes centros, não sendo justo “deixar o problema sem solução, principalmente quando esse problema é causado pela omissão do poder público municipal, que não exerce o papel que é dado pela configuração jurídica pátria.” (0168541- 91.20000.8.19.0001 – Apelação – Des. Fábio Dutra – 1ª Câmara Cível, julgado em 26/3/12).
O que se verifica nesses casos específicos de usucapião é que a posse mansa e pacífica é alcançada pela inércia tanto do proprietário quanto do Poder Público, razão pela qual o direito de ambos acaba por ser suplantado pelo nascimento do direito do possuidor.
Por fim, o argumento apontado em todos os acórdãos, sentenças, pareceres e afins que defendem a possibilidade jurídica do pedido de usucapião cujo terreno não atenda às exigências definidas na legislação municipal e que não poderia deixar de ser aqui evocado é o direito social à moradia, consectário lógico do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.
Frise-se que entender de outro modo acabaria por esvaziar a usucapião especial urbana prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art. 183, posto que, ao limitar o imóvel a ser usucapido à área mínima de duzentos e cinquenta metros quadrados com base em regulamentações municipais, esbarraria no óbice constitucional que restringe a área a ser usucapida em até iguais duzentos e cinquenta metros quadrados.
Pelo exposto, impõe-se o acolhimento do presente Incidente de Uniformização, propondo, nos termos do art. 121 do Regimento Interno e do art. 479 do Código de Processo Civil, a edição do seguinte enunciado: “É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.”
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos esses autos de Incidente de Uniformização de Jurisprudência 0013149-64.2005.8.19.0202, em que é suscitante a Egrégia 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sendo interessados Ana Maria Baptista dos Santos e João Thomas Sobrinho, ACORDAM os desembargadores que integram o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer o incidente de uniformização de jurisprudência e acolher a proposta de uniformização para fixar o entendimento do Tribunal nos termos da Súmula cujo enunciado se segue: “É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.”
*Fernanda de Freitas Leitão é tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.
Fonte: Migalhas