Supondo que o falecido marido da leitora fosse filho único, são os filhos dele os legitimados a se habilitar no processo de inventário
Fui casada em comunhão universal de bens e fiquei viúva há mais de 30 anos. No ano passado, meus sogros faleceram e a herança está indo toda para o meu filho, fruto desse casamento. Considerando que era casada com comunhão universal de bens, eu não tenho direito a parte dessa herança?
Luciano Teixeira, CFP, responde:
Inicialmente, vale esclarecer qual a norma vigente no tempo de cada fato. O atual Código Civil só entrou em vigor em janeiro de 2003, um ano após sua publicação. É sob a luz desse normativo que está sendo processado o inventário dos bens deixados pelos falecidos sogros, tendo em vista que o falecimento destes é fato recente. Já o casamento da leitora teve seu início e fim regulado pelas normas do Código Civil anterior, de 1916.
Seja pela regra do antigo normativo, seja pela regra do novo Código Civil, a morte de um dos cônjuges sempre será causa de dissolução da comunhão e, portanto, do regime de bens vigente. Quando havia a dissolução por esse motivo, pelo Código Civil de 1916, a divisão dos bens do de cujus somente era realizada através de inventário judicial. Ainda não havia, à época, a possibilidade de inventário extrajudicial, a qual existe desde 2007, desde que fossem atendidos determinados requisitos legais.
Os bens eventualmente deixados pelo marido da leitora na época de seu falecimento, possivelmente partilhados em processo de inventário, são os bens à parte dos quais a leitora poderia ter direito na ausência daqueles que a antecederiam na ordem sucessória (descendentes, ascendentes e, na falta destes, o cônjuge, conforme art. 1.603 do mesmo Código).
Como tanto os ascendentes do falecido marido da leitora quanto o filho do casal estavam vivos à época, na hipótese de a leitora e seu falecido esposo terem tido um único imóvel naquele momento, o que havia em favor dela enquanto cônjuge sobrevivente era uma garantia legal de que poderia residir gratuitamente no imóvel que coabitava com o cônjuge falecido (parágrafo 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916).
Comentando particularmente as regras do Código Civil de 1916, vigente à época do matrimônio, caso o pai ou a mãe do marido da leitora tivesse falecido antes dele, parte dos bens deixados por um deles poderia ser revertida à leitora. Isso porque estaria vigente o casamento sob regime de comunhão universal dela com um descendente de um dos sogros falecidos.
A exceção seriam bens que tivessem sido deixados com cláusula de incomunicabilidade (art. 263, inciso XI), os quais seriam recebidos, à época, somente pelo marido da leitora se fosse o caso.
A situação fática, no entanto, é a de que o marido da leitora faleceu há mais de 30 anos e os sogros dela faleceram somente no ano passado. Nesse caso, supondo que o falecido marido da leitora fosse filho único, são os filhos dele (ou seja, os netos dos sogros da leitora) os legitimados a se habilitar no processo de inventário e, portanto, a receber a herança exercendo o direito de representação de seu pai, herdeiro já falecido.
O que se deve reforçar é que a comunhão universal foi interrompida pelo falecimento de um dos cônjuges e que o fato de esse regime de bens ter vigorado por determinado período não legitima a cônjuge sobrevivente a entrar na linha sucessória dos bens que, eventualmente, os pais (ascendentes vivos) de seu marido venham a deixar.
*Luciano Teixeira Pinheiro é planejador financeiro pessoal e possui a certificação CFP (Certified Financial Planner) concedida pela Planejar – Associação Brasileira de Planejamento Financeiro.
Fonte: Valor Investe