Em atuação inédita no segundo grau, parecer proferido pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) em recurso (apelação cível), fundamentado no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, foi acatado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) para anular decisão judicial que homologou acordo de partilha de bens em dissolução de união estável.
Acolhendo a manifestação do MP, o tribunal entendeu haver provas suficientes nos autos de que a mulher que questionou o acordo extrajudicial (a apelante) sofreu coação para concordar com os termos da partilha.
Conforme destacado pela procuradora de Justiça Ivana Farina Navarrete Pena, autora do parecer, ficou demonstrado nos autos que a mulher foi vítima de violência doméstica, tendo, inclusive, o ex-companheiro (o apelado) sido condenado por descumprimento de medidas protetivas.
Ao justificar a necessidade de se considerar a existência de vício de consentimento no caso (a coação da mulher), a procuradora de Justiça se embasou nas diretrizes definidas no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (clique para acessar), publicado no ano passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, por meio da Recomendação 128/2022 (clique para acessar), orienta a sua adoção no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.
Ivana Farina observa que o protocolo “apresenta com clareza os fatores estruturais que influenciam magistrados e magistradas no julgamento de causas envolvendo gênero, bem como oferece um guia para que os atores processuais efetuem a valoração das provas e a identificação dos fatos de modo justo e equânime”.
Análise do caso sob as lentes de gênero
Conforme relatado no parecer, a autora do recurso alegou na apelação que, em virtude das agressões sofridas, não realizou qualquer questionamento sobre as cláusulas pactuadas e, por abalo psicológico e também por não vislumbrar alternativa para a situação, concordou com “as condições injustas e prejudiciais”. O recurso destaca que, no acordo, o imóvel do casal foi partilhado na proporção de 55% para o apelado e 45% para a apelada, numa “divisão desigual e sem justificativa plausível”.
Assim, diante das provas apresentadas, a procuradora de Justiça defendeu a necessidade de analisar o caso sob a perspectiva da violência sofrida pela apelada. “Casos marcados pela violência doméstica devem ser analisados sob as lentes de gênero, sob pena de repetição de estereótipos e desigualdades, em afronta à Constituição Federal”, sustentou Ivana Farina. Ela enfatizou ainda que, conforme demonstrado nos autos, os atos violentos foram praticados antes do acordo, “realidade que deve ser considerada na análise da ‘concordância’” da apelante”.
O voto do desembargador Alan Sebastião de Sena Conceição, que foi acolhido pela 5ª Câmara Cível do TJGO para dar provimento ao recurso e anular a decisão que homologou o acordo, é fundamentado no parecer da procuradora de Justiça e menciona julgados em casos semelhantes de anulação de partilha de bens em contexto de violência doméstica.
Atuou no primeiro grau a promotora de Justiça Roberta Pondé Amorim de Almeida. Fonte: MP-GO
Fonte: Rota Jurídica