Cristian Fetter Mold – Advogado, Professor, Presidente da Comissão de Direito das Sucessões e Planejamento Sucessório do IBDFAM-DF
A situação é conhecida por muitos advogados que atuam com inventários extrajudiciais: agências bancárias recusam-se a prestar informações sobre saldos em contas e aplicações financeiras da pessoa falecida para o(a) inventariante, exigindo muitas vezes uma inacreditável “ordem judicial”, sabidamente impossível de ser obtida no Tabelionato de Notas.
Contam-se histórias, totalmente críveis, de advogados que já foram obrigados a ingressar com ação, perante o Juízo Sucessório, tão somente para obter estas informações, via sistema Sisbajud, ofícios ou algo parecido, pedindo posteriormente a desistência do processo judicial, para tornar ao procedimento administrativo, o que se traduz em grande perda de tempo e movimentação desnecessária da máquina judiciária.
Em outros casos, ante a urgência da partilha de certos bens, os valores em conta e/ou aplicações acabaram sendo deixados pelos herdeiros para uma sobrepartilha, o que também poderia ser evitado.
Se pensarmos bem, em primeiro lugar, os valores depositados em conta bancária ou aplicações financeiras, outrora propriedade da pessoa correntista, não mais lhe pertencem após a morte, já que pelo Princípio da Saisine, insculpido no artigo 1.784 do Código Civil, passaram a fazer parte do espólio, o qual é administrado pelo inventariante, consoante suas incumbências legais, expostas no Código de Processo Civil, especialmente a partir do art. 618.
Desta forma, deveria ser considerada verdadeira obrigação das agências bancárias o fornecimento de tais informações ao inventariante. Ademais, resta impossível, sem estas informações, o cálculo do valor do espólio e, consequentemente, o valor da causa, a apuração do Imposto de Transmissão e mesmo as cotas de cada herdeiro e eventual meação de cônjuges e companheiros(as).
Assim, entendemos há tempos que o Termo de Compromisso, lavrado em Cartório de Notas, deveria, com facilidade, autorizar o Inventariante a obter diretamente, junto às instituições bancárias em que a pessoa falecida possuía contas e aplicações, os extratos dos valores depositados na data do óbito, para efeito de instrução dos procedimentos extrajudiciais de Inventário.
De posse de extratos e comprovantes nada mais este pode fazer, senão levar estas informações para a partilha, e mais: sem autorização judicial não pode movimentar os valores depositados, sob pena de ter de prestar contas, perder o encargo, pagar multa e ter de ressarcir quantias ao espólio. Pode até, em tese, responder criminalmente, conforme se depreende da leitura do art. 168, §1º, II, do Código Penal.
Para que se conclua que o problema não é de hoje, em 2015, após Reclamação apresentada pelo Colégio Notarial do Brasil ao Banco Central, informando que os Bancos estavam se recusando a prestar informações de pessoas falecidas para inventariantes em procedimentos extrajudiciais, foi expedido o Comunicado 49/2015 da Febraban, para que as agências bancárias fossem “orientadas no sentido de fornecer ao interessado, que comprove sua condição de herdeiro ou de representante do espólio, informações relativas a contas de depósito e de investimentos de titularidade de pessoa comprovadamente falecida, para viabilizar a lavratura de escritura pública de inventário”. (fonte: https://www.26notas.com.br/blog/?p=11585, acesso em 1º de Maio de 2022).
Todavia, conforme observância deste articulista e constantes conversas e debates com outros colegas advogados, a situação não havia melhorado de forma significativa, encontrando-se com facilidade na internet inúmeros sites contendo “modelos” de pedidos administrativos endereçados a agências bancárias para análise da viabilidade do fornecimento de extratos bancários, geralmente embasados no Comunicado da Febraban supracitado e nos dispositivos legais já mencionados.
Agora, com a Resolução 452/2022, de 22 de abril de 2022, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ alterou, em boa hora, a Resolução 35/2007, que disciplina a Lei 11.441/07, a qual, de uma maneira geral, criou a possibilidade de realização de inventários e divórcios pela via administrativa.
A alteração se dá no artigo 11, com a inserção dos seguintes parágrafos:
§ 1º O meeiro e os herdeiros poderão, em escritura pública anterior à partilha ou à adjudicação, nomear inventariante.
§ 2° O inventariante nomeado nos termos do § 1º poderá representar o espólio na busca de informações bancárias e fiscais necessárias à conclusão de negócios essenciais para a realização do inventário e no levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário.
§ 3º A nomeação de inventariante será considerada o termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial.
Com isso, especialmente pela clareza do parágrafo segundo, esperamos que os Bancos passem, sem requisitos burocráticos desnecessários, a fornecer à pessoa responsável pela inventariança os extratos de contas e aplicações da pessoa comprovadamente falecida, de modo que os inventários sejam devidamente instruídos, pavimentando o caminho para a solução cada vez mais breve destes procedimentos, o que parecia ser a “vontade” do legislador que, há 15 anos, criou a Lei 11.441/07.
Fonte: IBDFAM