A Secretaria de Estado do Vaticano enviou uma carta de solidariedade a Cristine Álvares Rodrigues, que atualmente tenta fazer valer, no Judiciário, os efeitos de uma procuração para cuidados de saúde assinada pela bilionária e ex-diretora-presidente das Casas Pernambucanas Anita Louise Regina Harley, 74. A empresária está em coma desde novembro de 2016 no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Cristine também tem sido proibida pela curadoria de Anita nomeada pela Justiça, segundo o hospital, de visitar a paciente no hospital. A equipe médica de Anita, cujo médico chefe cuidava da empresária antes do coma, também foi substituída.
Segundo amigos, Anita Harley é muito católica e uma vez por ano, desde o começo dos anos 90 até 2016, organizava uma missa na igreja de São Luiz Gonzaga, na Avenida Paulista, em São Paulo, em memória de sua mãe, Erenita Helena Cavalcanti Lundgren (1921-1990), herdeira e uma das impulsionadoras das Pernambucanas.
No final dos anos 90, Anita registrou em cartório uma procuração que conferiu a uma pessoa de sua confiança, Cristine Rodrigues, poderes “amplos e especiais” para agir em caso de perda de consciência da empresária, o que de fato veio a ocorrer 17 anos depois, como consequência de um acidente vascular cerebral hemorrágico. Desde então, Cristine tem tentado tornar eficaz a procuração, sem sucesso, com decisões judiciais contrárias ao conteúdo do documento assinado por Anita em 1999.
Cristine, funcionária das Pernambucanas desde 1966 e, segundo diversos depoimentos, a pessoa mais próxima de Anita no dia a dia da companhia, chegou a ser nomeada curadora, mas depois foi afastada. O Judiciário nomeou para a função um advogado desconhecido de Anita.
Além de recorrer no Judiciário, Cristine escreveu ao Vaticano em busca de apoio. A resposta foi assinada em fevereiro último pelo monsenhor Luigi Roberto Cona, assessor da Primeira Seção dos Assuntos Gerais da Secretaria de Estado do Vaticano.
“Chegou às mãos do Papa Francisco a carta que lhe escreveu, no dia 4 de dezembro de 2021, sobre o estado de saúde da senhora Anita Louise Regina Harley e a dificuldade sentida pela senhora Cristine Álvares Rodrigues em fazer valer o ‘testamento vital’ dela que a contempla como sua cuidadora pessoal e, considerando os motivos daquela, incumbiu-me de assegurar a ambas sua paterna vizinhança e solidariedade, suplicando ao Altíssimo o conforto de fé e o fortalecimento da esperança a fim de viverem as tribulações da vida unidas a Jesus Cristo ressuscitado”, diz a carta.
Na missiva, o monsenhor disse que “o Santo Padre as abraça, como pai e pastor”. “Possam assim, no meio da escuridão e da impotência, continuar clamando que Jesus ressuscitou, está vivo e caminha convosco. Por isso, pedindo a todos que não se fecham em si mesmos, não percam a confiança, nem se deem jamais por vencidos, porque não há situações que Deus não possa mudar, nem pecado que não possa perdoar.” A carta diz ainda que o Papa “de bom grado concede” a Anita e Cristine “uma reconfortante Bênção Apostólica”.
Cristine Rodrigues disse à coluna que, ao receber “a carta do Papa Francisco, eu, cristã como sou, com muita fé me encho de paz e me encorajo a continuar lutando para ver cumprida e respeitada a vontade de Anita Harley expressa no seu ‘testamento vital'”.
“Neste momento em que o Judiciário aceita que eu seja afastada da paciente e que sua equipe médica seja trocada, o Papa nos une com sua fé e bênção, e cita inclusive que espera que o ‘testamento vital’ seja cumprido.”
O advogado de Cristine, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse que “a carta revela a profunda dimensão humana que a questão do instituto do ‘testamento vital’ envolve”.
“É humanamente inadmissível e eticamente reprovável que a vontade de uma pessoa em relação a como ou por quem deve ser cuidada seja desrespeitada pelo Estado. Não há tese jurídica que legitime a ofensa a essa vontade. É cruel e ofensivo à dignidade humana agir de outro modo. Em um Estado de Direito ninguém é dono da vida ou da vontade daquele que deseja preestabelecer o modo pelo qual, dentro da lei, deseja viver”, disse Cardozo.
Os argumentos dos juízes e desembargadores que atuam ou atuaram no processo foram tratados pela coluna em 6 de março, que revelou o caso da bilionária em coma desde 2016. Todos negaram quaisquer irregularidades na condução do caso e disseram seguir a lei. A Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apoiou as decisões dos juízes de primeira e segunda instâncias e não acolheu as manifestações da defesa de Cristine, que recorreu ao plenário do conselho. O julgamento do recurso ainda não tem data para ocorrer.
Fonte: Portal UOL