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Após assim ser indagada via caixinha de mensagens do Storie “É possível usucapião e adjudicação na via arbitral?”, famosa profissional da área registral com milhares de seguidores, assim respondeu no 27º ano de vigência da lei de arbitragem: “Não é possível (…) não existe previsão legal para esse tipo de situação (…) parem de querer achar jeitinhos que não estão previstos em lei”.

Tal fato trouxe luz quanto à necessidade do instituto da arbitragem ser efetivamente conhecido pelos advogados, tabeliães, registradores, magistrados e todos os demais operadores do Direito.

A arbitragem ainda é restrita a poucos, fruto do seu não suficientemente explicado altíssimo custo em território nacional. Ainda é apresentada, quando é apresentada, como matéria eletiva nas graduações de Direito, e o exame de ordem não a contempla satisfatoriamente.

O país permanece, assim, tendo o acesso à justiça, de forma massiva, sendo realizado pela porta do Poder Judiciário. As portas da negociação, da conciliação, da mediação, do disput board e da arbitragem, vêm objetivamente sendo negligenciadas.

A arbitragem, apesar de crescimento contínuo e consolidado, estando o Brasil em segundo no ranking mundial do uso de arbitragem em 2020, com 150 casos (dados da Corte Internacional de Arbitragem), está muito longe de ser conhecida pela população e pelos advogados, e mais longe ainda de estar acessível e democratizada, via redução dos valores constantes das tabelas de custas das câmaras arbitrais existentes no país.

Não, a arbitragem não é “gourmet”. Não, a arbitragem não é “essencialmente elitizada”. Não, a arbitragem não é “apenas adequada para específicos litígios de alto valor e complexidade”.  A arbitragem, segundo a lei vigente, aplica-se a direitos patrimoniais disponíveis e ponto. E, a lei tem a todos como destinatário e deve sim beneficiar a todos que possam pagar por uma jurisdição privada com inúmeras virtudes. Ao se elitizar, na prática, o instituo, se coloca esse meio adequado de solução de conflitos em crise, pois a vinda longa e a oxigenação de todo instituto, se dá com a sua disseminação, com o seu estudo e com a sua prática.

De início, frise-se que, a equiparação da decisão arbitral à sentença judicial foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na SE 5.206, Inf. STF 71, de 12/05/1997.

No mesmo sentido, Leonardo de Faria Beraldo, em “A eficácia das decisões do árbitro perante o registro de imóveis. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 58, jul./set. 2018”, já assim pontuava: “O art. 221, IV, da LRP diz que se admite o registro da carta de sentença. Dentro daquela ideia inicial de se ler o “velho” com os olhares do “novo”, entendemos que a expressão “carta de sentença” deverá englobar, também, a sentença arbitral”.

Apesar da lei de registros públicos não prever expressamente o ingresso da sentença arbitral como título registrável, o código de processo civil estabelece se tratar de título executivo judicial e a lei de arbitragem é precisa ao estabelecer que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. Assim, o reconhecimento do acesso ao fólio real da sentença arbitral, desde que presente os demais requisitos legais e normativos para a qualificação positiva do título, é medida imperiosa.

Não se apresenta legitima, desta forma, qualquer recusa do oficial do registro de imóveis de ingresso da sentença arbitral como título apto a registro pautando-se em ausência de previsão legal.

A sentença arbitral proferida nos casos de adjudicação compulsória tem eficácia executiva plena perante os cartórios de registro de imóveis, devendo ser registrada na matrícula do imóvel. O procedimento arbitral pode ser, ainda, proposto também pelos herdeiros das partes envolvidas, os quais herdam os direitos e deveres inseridos nos contratos que contém cláusulas compromissórias.

Nesse sentido, decidiu a 1ª VRP de SP, no dia 03/02/2023 (Proc. nº 1144150-82.2022.8.26.0100):

Ementa:

“Assunto Dúvida – Registro de Imóveis – Suscitante: 9º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo – Negativa em se proceder ao registro de carta de sentença arbitral expedida pelo Tribunal Internacional de Justiça Arbitral do Brasil – TRIAB no procedimento de adjudicação compulsória de autos n.0001309-50-2022.7.26.2009, referente ao imóvel da matrícula n. 292.938 daquela serventia (prenotação n.740.779)”.

Fundamentação:

“a carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, notadamente porque a sentença arbitral produz os mesmos efeitos daquela proferida pelo Poder Judiciário

(…)

Essa foi a conclusão do Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências de autos n.0004727-02.2018.2.00.0000

(…)

Ocorre que a carta de sentença, seja judicial ou arbitral, deve trazer todas as peças processuais necessárias à correta interpretação do contexto do feito

(…)

No caso concreto, entretanto, não há qualquer documento que demonstre que Maria Aparecida Ferreira de Barros representa todos os espólios envolvidos, o que é essencial para a verificação da sua legitimidade

(…)

Sem prova documental de que o compromisso arbitral foi firmado pelo legítimo representante dos espólios de todos os proprietários tabulares, os efeitos da sentença arbitral apresentada não podem ser estendidos a eles, o que impede acesso do título ao fólio real”.

Do mesmo modo, assim concluiu o CNJ (Proc. nº 0004727-02.2018.2.00.0000 – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – Plenário – Decisão: 26/08/2019):

“Cuida-se de consulta instaurada pelo CONSELHO NORTE E NORDESTE DE ENTIDADES DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM – CONNEMA

(…)

O requerente questiona se “Afigura-se tecnicamente correto considerar e interpretar o termo ‘cartas de sentença’ contido no art. 221 da Lei Federal nº 6.015/73 no sentido de contemplar tanto a carta de sentença judicial, quanto a proveniente de sentença/processo arbitral, já que os efeitos desta são plenamente equiparados aos daquela, inclusive garantindo o acesso aos registros públicos, dentre estes o imobiliário? “.

(…)

ART. 221 – SOMENTE SÃO ADMITIDOS REGISTRO:  IV – CARTAS DE SENTENÇA, FORMAIS DE PARTILHA, CERTIDÕES E MANDADOS EXTRAÍDOS DE AUTOS DE PROCESSO.

(…)

as decisões de um árbitro possuem a mesma eficácia que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário (…) art. 18 da Lei Federal n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem), o árbitro é o juiz de fato e de direito (…) Ainda, o art. 31 (…) a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (…) O Novo CPC, inclusive, em seus art. 515, estabelece que a sentença arbitral deve ser considerada como título executivo judicial

(…)

A propósito, confira enunciado publicado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e aprovados na I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios:

Enunciado 9 – A sentença arbitral é hábil para inscrição, arquivamento, anotação, averbação ou registro em órgãos de registros públicos, independentemente de manifestação do Poder Judiciário

(…)

Portanto, a expressão “carta de sentença” contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73, deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial”.

Exatamente na mesma linha, anos depois, assim também decidiu CNJ (Proc. nº 0008630-40.2021.2.00.0000 – Decisão – 27/09/2022):

“Consulta – CÂMARA IBEROAMERICANA DE ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO EMPRESARIAL (CIAAM)

(…)

Questionamento

(…)

“- possibilidade de a carta extraída de processo arbitral constituir carta de sentença conforme previsto no Art 221, IV, da Lei nº 6.015/73

(…)

– desnecessidade de carta de sentença, devendo o TABELIÃO, REGISTRO DE IMÓVEIS efetivar a sentença arbitral, sem exigência de promoção de cumprimento de sentença perante o Poder Judiciário ou qualquer manifestação prévia do Poder Judiciário

(…)

a dúvida acerca do alcance da expressão “carta de sentença” foi solvida em ocasião anterior, pela Corregedoria Nacional de Justiça, nos autos do PP n. 0004727- 02.2018.2.00.0000 (…) impediente de que registradores inscrevam cartas de sentença arbitrais”.

Caminhando no mesmo sentido, seguiu o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil no XLV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, ocorrido em 2020, via Boletim do IRIB em Revista nº 362 sob o título “Arbitragem, Mediação e Conciliação no Registro de Imóveis”, de autoria da Oficial do Registro de Imóveis de Taubaté/SP, Paola de Castro Ribeiro Macedo.

Os Tribunais de Santa Catarina, Goiás, Paraná e Minas Gerais, possuem julgados favoráveis à adjudicação compulsória na via arbitral:

“APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE UM TERRENO. CLÁUSULA DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM CONTRATUALMENTE ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, COM FUNDAMENTO NO ART. 267, VII. INSURGÊNCIA DO AUTOR. (…) SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Nos termos do artigo 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, a alegação de nulidade da cláusula arbitral, bem como, do contrato que a contém, deve ser submetida, em primeiro lugar, à decisão arbitral, sendo inviável a pretensão da parte de ver declarada a nulidade da convenção de arbitragem antes de sua instituição”. (TJ-SC – AC: 20090354003 SC 2009.035400-3 (Acórdão), Relator: Sérgio Izidoro Heil, Data de Julgamento: 17/07/2013, Quinta Câmara de Direito Civil Julgado)

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE GAVETA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL LIVREMENTE PACTUADA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA COMUM RECONHECIDA DE OFÍCIO. CASSAÇÃO DA SENTENÇA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS”. (TJ-GO – Apelação (CPC): 00588550920178090051, Relator: GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, Data de Julgamento: 28/03/2019, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 28/03/2019)

“APELAÇÃO. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DE BENS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DOS REQUERENTES. PRELIMINAR. 1. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. REJEITADA. EXTRAI-SE DA DECISÃO A RATIO DECIDENDI QUE JUSTIFICOU A EXTINÇÃO DO FEITO. MÉRITO. 2. PLEITO DE OUTORGA DEFINITIVA DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. REJEIÇÃO. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE ARBITRAGEM. PRINCÍPIO DA KOMPETENZ-KOMPETENZ (COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA)”.  (TJPR – 12ª C.Cível – 0018204-90.2014.8.16.0031 – Guarapuava – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU LUCIANO CAMPOS DE ALBUQUERQUE – J. 10.11.2021)

“AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. HIPOSSUFICIÊNCIA. INOCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO. (…) Em contrato de compra e venda firmado entre particulares, não há presunção de hipossuficiência de um dos contratantes em relação ao outro”. (TJ-MG – AC: 50062288420168130525, Relator: Des.(a) Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 12/04/2018, 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/04/2018)

Do mesmo modo, plenamente possível o reconhecimento da usucapião por meio de sentença arbitral.

Alguns resistem fundando-se no argumento de que o reconhecimento da aquisição da propriedade pela usucapião se caracteriza por uma legitimidade passiva difusa, indeterminada, restando presente uma sujeição passiva universal, o que fundamenta a expedição de editais tanto pela via judicial quanto pela via extrajudicial. Ademais, por se tratar de aquisição originária de direito real, não há negócio jurídico subjacente, e só poderia ser arbitrado aquilo que pode ser contratado.

Data vênia, direitos reais constituem espécies de direitos patrimoniais disponíveis, não havendo qualquer óbice para o reconhecimento da aquisição originária destes pela via arbitral. Ademais, convenção de arbitragem não se confunde com exigência de negócio jurídico subjacente que constitua uma das hipóteses prevista no artigo 167, I, da LRP. Além disso, o árbitro, juiz de fato e de direito, possui plena aptidão e competência para apreciar as provas e concluir se a posse alegada é mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, assim como para verificar se estão presentes os demais requisitos exigidos pelas modalidades especiais de usucapião previstas.

Desta forma, decidiu o TJ-PB, através de decisão de 07/05/2020 (Proc. nº 0852364-06.2018.8.15.2001)

“Ação de Suscitação de Dúvida – Demanda interposta pela titular tabeliã do 1º Tabelionato de Notas e Registro de Imóveis da Comarca de João Pessoa.

(…)

Saber se a sentença arbitral que julgou ação de usucapião seria, ou não, dotada de capacidade registral junto àquele Cartório de Registro de Imóveis.

Trata-se de uma Sentença Arbitral, expedida pelo Núcleo de Mediação e Arbitragem da Paraíba (…) objetivando que a parte requerente Raquel Pessoa Donato, por meio de usucapião tenha o domínio do imóvel

(…)

a presente dúvida já se encontra sanada diante do Pedido de Providências, processo administrativo nº 0004727-02.2018.2.00.0000, que tramitou junto ao Conselho Nacional de Justiça

(…)

a decisão em referência esclareceu o alcance da expressão carta de sentença contida no artigo 221, IV da Lei 6.015/73, operando-se, pois, a perda superveniente do objeto da presente dúvida, notadamente com a expedição do Ofício Circular a todas as serventias extrajudiciais para conhecimento e cumprimento da decisão”.

Similarmente, decisão de 25/04/2023, fruto de consulta administrativa (Proc. nº 0000497- 03.2023.2.00.0820, emanada da Corregedoria-Geral de Justiça do TJ/RN:

“Cinge-se a discussão acerca de requerimento de registro de carta de sentença arbitral apresentada pelo recorrente junto ao Cartório Único da Comarca de Martins. A mencionada Carta (Num. 2668762, fls. 22/25), expedida pela Câmara de Mediação e Arbitragem do Rio Grande do Norte, conferiu ao Recorrente a aquisição de propriedade de imóvel usucapiendo, de modo que foi solicitada sua respectiva abertura de matrícula e posterior registro.

(…)

é possível concluir que a carta de sentença arbitral expedida em decorrência de procedimento de usucapião que tramitou pela via da arbitragem pode ser registrada, da mesma forma que se procede o registro da carta de sentença oriunda de uma ação judicial.

(…)

Ante o exposto, conheço e dou provimento ao presente recurso para reconhecer expressamente a possibilidade de registro da carta de sentença arbitral em processos de usucapião e determinar que o Oficial de Registro de Imóveis do Cartório Único de Martins proceda a abertura de matrícula e o registro do referido documento como solicitado pelo recorrente, sem nenhuma exigência adicional, reformando integralmente a decisão proferida às fls.164/165 do processo PJe nº 0800005-14.2023.820.5122″.

Desta forma, por todo visto, ainda carece a formação da cultura do estudo e uso da arbitragem como ferramenta adequada para solução de litígios de forma especializada, célere e segura, visando à entrega de um serviço útil e eficiente às partes litigantes. Ainda assim, o instituto vem sendo protegido e exaltado pelo CNJ e pelas Corregedorias e pelos Tribunais Estaduais. Há muito caminho a ser desbravado pela frente, principalmente na área imobiliária, tão afeta e na vanguarda da desjudicialização e da prática extrajudicial.

Fonte: Migalhas

Link: https://www.migalhas.com.br/coluna/observatorio-da-arbitragem/396144/justica-multiportas-e-a-adjudicacao-compulsoria

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