Recentemente, no final de julho, a 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, julgou procedente dúvida suscitada por um Oficial de Registro Imóveis, mantendo o óbice ao prosseguimento do pedido de adjudicação compulsória extrajudicial que tinha como objeto instrumento particular de promessa de permuta.
O caso julgado envolvia um instrumento particular de permuta de imóveis, em que as partes atribuíram, para fins fiscais, a cada um deles, o valor de R$100.000,00, e conferiram, no próprio instrumento particular, recíprocas quitações.
Enfrentando dificuldade em obter a escritura pública para transferir o imóvel para o seu nome no Ofício Imobiliário, o primeiro permutante ingressou com o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial. Todavia, sobreveio nota devolutiva, desqualificando o título em razão do não cumprimento do requisito da quitação (art. 216-B da lei 6.015/73, e provimento 150 do CNJ), sob o fundamento de que a permuta não se convalidou pela falta de transmissão do imóvel para o segundo permutante. Segundo o Oficial de Imóveis, há ausência da comprovação da quitação, que no caso de permuta, deveria ocorrer por meio da escritura ou do registro do imóvel do primeiro permutante para o segundo permutante.
A sentença reputou válida a justificativa apresentada pelo Oficial Registrador para obstaculizar o prosseguimento da adjudicação compulsória extrajudicial, aduzindo que:
O fato de o instrumento particular indicar que os contratantes conferem mútua e recíproca quitação não possui o condão de demonstrar que houve o efetivo pagamento, mesmo que a avença tenha sido assinada pelos envolvidos, com reconhecimento de firma;
Em se tratando de contrato de permuta de imóveis, o cumprimento da obrigação assumida, com a consequente quitação, somente estaria caracterizada com a efetiva transmissão da propriedade do imóvel do requerente da adjudicação (primeiro permutante) para o requerido (segundo permutante).
Com todo respeito à sentença exarada pela 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, tal entendimento pode levar a inviabilidade do processo de adjudicação compulsória extrajudicial quando essa tiver como objeto promessa de permuta. Explicamos.
A adjudicação compulsória extrajudicial tem duas premissas fundamentais previstas nos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil2: O inadimplemento de quem deve outorgar ou receber a escritura e o adimplemento das obrigações contratuais pela parte requerente da adjudicação.
Na compra e venda, após pagar todo o preço, o promitente comprador, provando a quitação (adimplemento), pode exigir a outorga da escritura definitiva. E se o promitente vendedor injustificadamente se negar (inadimplemento), o promitente comprador pode ingressar com o pedido de adjudicação compulsória, requerendo o suprimento da manifestação de vontade do vendedor pelo juiz (judicial) ou pelo registrador (extrajudicial).
Na permuta não ocorre assim.
A permuta, prevista no art. 533, do Código Civil3, configura-se em negócio jurídico de troca de um bem pelo outro. No caso julgado, o primeiro permutante entregou seu imóvel em troca do imóvel do segundo permutante, “taco a taco”, sem reposição de valores. Tal troca foi formalizada em instrumento preliminar, em um contrato particular de permuta, no qual as partes se deram mútua quitação e se obrigaram a formalizar a respectiva escritura posteriormente.
Perceba-se que, na permuta, a obrigação de outorgar a escritura é uma prestação mútua, que precisa ser cumprida em conjunto. Ambos os contratantes precisam comparecer em um Tabelionato de Notas para firmar um único ato, escritura pública de permuta, onde figuram como outorgantes e reciprocamente outorgados. Ou seja, não há como um permutante cumprir com sua obrigação contratual de transferência definitiva do imóvel sem que o outro também o faça.
Diante disso, a análise das premissas fundamentais da adjudicação compulsória na permuta precisa levar em conta as peculiaridades desse negócio jurídico, que é diferente da compra e venda.
O STJ, no julgamento do REsp 306012/RJ4, traz essa análise com bastante clareza, ao afirmar que a parte requerente da adjudicação compulsória que tem como objeto promessa de permuta cumpre com sua obrigação contratual (adimplemento) ao apresentar a documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva. Ora, diz o STJ, “se os autores/reconvintes adimpliram a sua prestação, nada mais justo do que reclamem o cumprimento integral da promessa de permuta. Podiam valer-se tanto da ação de adjudicação compulsória como da via aberta pelos arts. 639/641 do Código de Processo Civil.”
Assim, a prova da quitação na adjudicação compulsória envolvendo a promessa de permuta, a prova do adimplemento, se dá com a efetiva disponibilidade de um dos permutantes em cumprir com sua obrigação contratual de outorgar a escritura à outra parte. Ou seja, como diz o STJ, com a apresentação da documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva.
Veja-se que não é possível que a prova da quitação se dê com a efetiva transferência do bem para a outra parte. Tratando-se de obrigação mútua, a ser cumprida simultaneamente no mesmo ato, é impossível que apenas um dos permutantes formalize o ato sem a presença e concordância do outro.
A quitação, o adimplemento contratual, na permuta, se dá com a apresentação da documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva por um dos permutantes. E havendo resistência do outro permutante em realizar a escritura de permuta, está caracterizado o inadimplemento contratual, e o remédio é a adjudicação compulsória, como bem mencionou o STJ.
Na via extrajudicial, as premissas fundamentais da adjudicação compulsória extrajudicial, a prova da quitação (adimplemento) e o inadimplemento de quem deve outorgar a escritura, são atestadas na ata notarial, pelo Tabelião de Notas (art. 216-B, inciso III, da lei 6.015/73).5
Dessa forma, na ata notarial envolvendo instrumento particular de promessa de permuta, o Tabelião de Notas irá atestar a quitação, o adimplemento da parte requerente, demonstrando que foi apresentada a documentação necessária à lavratura da escritura, documentação essa apta a comprovar que não pendem ônus ou indisponibilidades que possam inviabilizar o cumprimento da prestação contratual por parte do requerente, qual seja, a transferência do seu imóvel para a parte requerida.
Ademais, com a intenção de criar uma prova de quitação ainda mais robusta e configurá-la dentre de uma das formas de quitação previstas no art. 440-G, do provimento 150, do CNJ, que regulamenta a adjudicação compulsória extrajudicial, é possível utilizar-se do inciso VII, que passa muitas vezes desapercebido e parece ter sido criado justamente para o caso da permuta. O referido inciso prevê a “notificação extrajudicial destinada à constituição em mora” como forma de provar da quitação.
Assim, se um dos permutantes notifica extrajudicialmente o outro permutante para que ele compareça a um Tabelionato de Notas e firme a escritura pública de permuta, e o permutante notificado se nega ou queda silente, está constituída a mora e caracterizadas, concomitantemente, as duas premissas da adjudicação: A quitação e o inadimplemento contratual.
A notificação comprova a efetiva disponibilidade de um dos permutantes em cumprir com sua obrigação contratual de outorgar a escritura. Aliada a apresentação da documentação imprescindível à lavratura da escritura definitiva, mostrando a inexistência de ônus e a disponibilidade do imóvel a ser transferido, a notificação torna a prova da quitação robusta e irrefutável.
Portanto, no caso analisado nesse artigo, a quitação mútua conferida dentro do próprio instrumento particular de permuta, somada à apresentação da documentação necessária à lavratura da escritura definitiva e a eventual constituição em mora pela notificação extrajudicial, seria suficiente para provar a quitação, viabilizando o pedido de adjudicação compulsória extrajudicial.
É oportuno salientar que não se desconhece julgados que consideram nulo o contrato preliminar, no qual o imóvel ultrapasse o valor de 30 salários-mínimos, por ferir o art. 108 do Código Civil, que exige escritura pública para transmissão de imóveis neste valor. Nessa linha, poder-se-ia tentar argumentar que o contrato particular de permuta objeto da discussão é nulo.
Com todo respeito a esse entendimento, consideramos que ele se afasta do melhor direito, já que o contrato preliminar para compra de imóveis não opera a transferência definitiva do bem e é autorizado pelos arts. 463 e 1.418, do Código Civil. Nesta linha de entendimento, é o Código de Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina: Art. 1.007. O pagamento integral do preço, ainda que à vista, não descaracteriza a natureza preliminar do contrato, devendo, neste caso, firmar declaração de ciência de que deverá providenciar a escritura pública e seu registro para transmissão da propriedade.
Dessa forma, não sendo considerado nulo o instrumento particular de permuta de imóveis que ultrapassam o valor de 30 salários-mínimos, e sobrevindo a quitação através da documentação apresentada ao Tabelião, mostrando a inexistência de ônus e a disponibilidade do imóvel a ser transferido, bem como através de eventual notificação extrajudicial que constitui em mora o requerido, deve a adjudicação compulsória extrajudicial seguir seu curso, sob pena de inviabilizar o instituto quando ela tiver como objeto contrato de permuta. É o que pensamos, respeitadas as opiniões contrárias.
Fonte: Migalhas