Com o avanço da tecnologia e o crescente uso de bens digitais, tais como músicas, perfis em redes sociais, e-mails, bitcoins e até mesmo as famosas coleções de imagens NFTS utilizadas no campo das artes digitais como obras de valor significativo, alcançando cifras na ordem dos milhões de reais, tornou-se cada mais relevante o planejamento sucessório desses ativos, conhecidos como herança digital. Além disso, com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a proteção dos dados pessoais do falecido também passou a ser um tema de destaque nesse contexto.
Para entender o papel dos cartórios de notas na prevenção de fraudes e disputas relacionadas à herança digital, o CNB/GO conversou com o fundador do Instituto de Compliance Notarial e Registral (ICNR), João Rodrigo Stinghen, que traz insights valiosos sobre o assunto.
A LGPD e a Herança Digital
João Rodrigo ressalta que os dados pessoais estão intrinsecamente ligados a uma pessoa e, portanto, são protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). No entanto, essa proteção cessa após o falecimento, uma vez que a LGPD não abrange dados de pessoas falecidas. Embora isso não esteja expressamente previsto na lei, é uma interpretação fundamentada na experiência europeia e adotada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) por meio de Nota Técnica CGF/ANPD nº 3/2023.
Apesar de o falecido não possuir mais direitos na proteção pela LGPD, a lei ainda pode ser aplicada no que diz respeito à proteção dos dados das pessoas com as quais ele interagiu. Os direitos sobre conteúdos digitais podem ser transferidos aos herdeiros, mas é importante atentar-se sobre a preservação de mensagens e e-mails trocados com terceiros.
Prevenção de Fraudes e Disputas
Os cartórios de notas possuem um papel fundamental na prevenção de determinadas fraudes relacionas a herança. Eles atuam como intermediários confiáveis na gestão e proteção dos ativos deixados pelo falecido, garantindo que sejam tratados de forma adequada e de acordo com as disposições legais. No tocante a fraudes, elas são comuns no ambiente digital em qualquer circunstância. A falsidade ideológica ficou mais “fácil” com os recursos que temos disponíveis hoje, incluindo ferramentas de alteração de dados de acesso.
Stinghen afirma que neste cenário bastante incerto, a figura do tabelião de notas pode ser muito útil para trazer segurança jurídica, através da ata notarial, descrevendo situações diversas, inclusive no ambiente digital, num documento dotado de fé pública. “O notário pode auxiliar na prevenção de fraudes lavrando testamentos sobre patrimônio digital”, declara.
Limitações e preocupações
Infelizmente, a maior insegurança ainda é a falta de regulamentação do tema, na medida em que os notários precisam se pautar sempre na legalidade para sua atuação diária. A segurança dos dados também é uma preocupação pertinente para os cartórios. É importante garantir que as informações sobre os testamentos e bens digitais sejam tratados com o devido sigilo para que não ocorram vazamentos de dados que possam comprometer a privacidade de pessoas envolvidas. João afirma que há uma necessidade que as entidades de classe articulem-se junto ao poder Legislativo e Judiciário para regulamentação clara e atualizada, a fim de garantir uma atuação adequada e segura.
Planejamento Sucessório
Para Stinghen, é seguro fazer um testamento ou codicilo. “O testamento público é dotado de maior segurança, na medida em que tem a presunção de veracidade e não precisa de homologação judicial para ser validado”. Caso o testador tema pela sua privacidade, pode optar pelo cerrado, aumentando a restrição das informações. É uma ajuda para superar eventuais discussões familiares, mas também respaldar os herdeiros diante dos provadores de aplicações na internet. A manifestação de vontade em ato testamentário dotado de fé pública gera uma segurança muito maior quando são cedidos logins e senhas de acesso antes da morte de uma pessoa.
Por isso, é preciso ter cuidado para não revelar informações sobre testamentos, mesmo quando ele é público, as certidões só podem ser emitidas ao próprio testador ou mediante ordem judicial, conforme diz o art. 32 do Provimento nº 134/22 do Conselho Nacional de Justiça. E, para evitar vazamentos, o treinamento da equipe é fundamental.
É importante destacar que as leis e regulamentações relacionadas à herança digital podem variar de país para país e é fundamental que os cartórios de notas estejam atualizados quanto às normais específicas de sua jurisdição para garantir uma atuação adequada nesse contexto. A consulta a profissionais especializados em direito digital e sucessório também pode ser uma estratégia importante para lidar com as complexidades da herança digital de forma eficaz e legalmente válida.
Fonte: Assessoria de imprensa CNB/GO
